Título: Cidade fora dos trilhos
Autor: Marcus Quintella
Fonte: Jornal do Brasil, 06/03/2006, Outras Opiniões, p. A13

Nos últimos anos, observa-se que muitos países vêm descobrindo o trem como solução para os graves problemas no deslocamento das pessoas em suas populosas metrópoles, ainda mais que existe um consenso entre os especialistas que o transporte urbano sobre trilhos produz reduções de tempo de viagem, poluição atmosférica, consumo energético e acidentes de trânsito e melhora a qualidade de vida da população, desde que bem planejado e integrado com os demais modos de transporte. O transporte público nas grandes cidades sempre foi um desafio para os governantes em todo o planeta, especialmente no Brasil, onde mais de 75% da população reside em áreas urbanas, gerando cerca de 60 milhões de viagens diariamente, já que os locais de moradia, de trabalho e de lazer estão cada vez mais separados espacialmente entre si. Além disso, o Brasil sofre atualmente as conseqüências da infeliz opção pelo transporte rodoviário, feita na metade do século passado, em detrimento do transporte ferroviário. Enquanto nossas grandes cidades possuem pouquíssimas linhas de metrôs e deficientes sistemas de trens urbanos, exceto São Paulo, que vem evoluindo bastante neste ponto, dezenas de metrópoles pelo mundo afora possuem, há muito tempo, competentes redes metroferroviárias, que são a base de seus sistemas de transporte público.

Para inverter este quadro caótico do transporte público, torna-se imprescindível uma ação premente do Governo Federal no apoio ao setor metroferroviário. O ponto de partida seria a designação imediata de uma entidade federal com competência e experiência para exercer o papel de órgão de articulação, fomento, apoio técnico-financeiro, orientação e coordenação de uma política nacional do transporte metroferroviário, além de desenvolver estudos e pesquisas necessárias ao planejamento dos transportes sobre trilhos no país.

Por sorte, já existe uma entidade pronta para assumir este papel, sem custos adicionais para o erário, que é a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), criada em 1984 para dar um tratamento diferenciado ao transporte ferroviário urbano e que, desde então, vem sendo uma referência internacional no setor, apoiada em seus recursos humanos de alta competência técnica e gerencial. A CBTU é o único órgão oficial com capacidade de articulação junto aos governos locais das cidades brasileiras e com experiência comprovada no setor ferroviário de passageiros.

Entretanto, existe uma interpretação da Constituição Federal que dá competência exclusiva aos estados e municípios sobre as questões de transporte urbano e que pode, inclusive, extinguir ou dissolver a CBTU. Desta forma, caso o Governo Federal não abra seus olhos rapidamente, ocorrerá mais uma decisão insana e equivocada e mais dinheiro público será desperdiçado, além de ser postergada uma oportunidade ímpar de beneficiar o país com uma política nacional de transporte urbano sobre trilhos, capaz de implementar mecanismos coordenados e consistentes de financiamento e apoio técnico ao setor.

Em última análise, penso que o governo federal não pode fechar as portas da CBTU e prescindir de cerca de 350 empregados de sua administração central, preparados durante 22 anos com dinheiro público para serem as cabeças pensantes que tanto precisamos hoje para ajudar a colocar as grandes cidades brasileiras nos trilhos e, conseqüentemente, melhorar as condições de vida e de bem-estar de seus habitantes.

Marcus Quintella (marcusquintella@uol.com.br) é professor do IME e da FGV. Escreve nesta página às segundas-feiras, a cada 15 dias.