Título: Vítimas universais, apoio local
Autor: Clara Cavour
Fonte: Jornal do Brasil, 06/03/2006, Internacional, p. A14

Às vésperas do aniversário de dois anos dos ataques a trens de Madri, vítimas do terror reunidas na cidade espanhola de Valência, fizeram um pedido à comunidade internacional: a criação de um estatuto universal para pessoas afetadas por atentados terroristas, além do estabelecimento de mecanismos globais de combate à ameaça. Para isso, no entanto, será necessário que o mundo volte à polêmica discussão sobre a definição da palavra 'terrorismo'.

O ataque de Madri, realizado por uma célula da Al Qaeda e que será lembrado no dia 11 com homenagens às vítimas, matou 191 pessoas e deixou cerca de 1.800 feridos. Mas a Espanha enfrenta, ainda, o extremismo separatista. Estima-se em mil o número de mortos em atentados do ETA, grupo basco que atua há 30 anos.

A proposta do estatuto foi discutida no país durante o III Congresso de Vítimas de Terrorismo, que reuniu 300 vítimas diretas de várias nacionalidades. O projeto parte do princípio de que o terror é um fenômeno mundial, que atinge diferentes povos mas de forma semelhante, seja por questões internas ou ''justificado'' pela política externa. Qualquer que seja a ação, o terrorismo viola direitos básicos de pessoas e comunidades. Na Espanha, em Israel, nos Estados Unidos ou no Líbano, as vítimas são, normalmente, civis inocentes agredidos em nome de causas movidas pelo radicalismo.

Para David Rothkopf, do instituto Carnegie Endowment for International Peace, de Washington, o consenso em relação à definição de terrorismo é a chave para a uma combate global:

- Apesar de se manifestar de muitas formas, o terror pode ser definido - avaliou ao JB. - Precisamos alcançar um acordo entre os países para assim avançar na luta contra o terror - destacou, lembrando que o Departamento de Estado americano estabelece que terrorismo é ''premeditado, politicamente motivado e perpetrado violentamente contra alvos não-combatentes por agentes clandestinos''.

Já Stephen Johnson, da organização Heritage Foundation, considera que dificilmente a comunidade internacional chegará a um conceito comum:

- Uma definição universal que se adapte a todos os países pode não funcionar - observou, de Washington. - O grupo palestino Hamas, por exemplo, é uma organização terrorista que está se transformando em partido político. Certamente, definirá e tratará o terrorismo de forma diferente - emendou o analista, para quem o ideal seria que ''todos os países concordassem com procedimentos comuns para a condenação de terroristas''.

Hoje, cada nação aplica suas leis para casos de ações extremistas. No entanto, na opinião de Rothkopf, o tema deveria ser tratado como ''a questão das armas de destruição em massa ou crimes contra a humanidade'', que mobilizam a comunidade internacional.

- É preciso perguntar por que definir? A resposta é porque queremos eliminar essa ameaça. Para isso, necessitamos de uma lei internacional.

Kenneth Ballen, da ONG Terror Free Tomorrow, concorda:

- Alguns casos poderiam ser julgados na Corte Internacional de Justiça ou em outro tribunal internacional estabelecido por tratado - afirmou, por telefone - O reconhecimento da universalidade das vítimas do terror ajudaria na condenação de atos que violam direitos humanos.

Mas a própria assistência a essas pessoas é um tema polêmico. Para Johnson, seria difícil estabelecer os direitos necessários em uma legislação dedicada a vítimas diretas ou indiretas se atentados terroristas:

- Algumas necessitam de ajuda financeira. Outras, de apoio psicológico para lidar com traumas - frisou. - Mais: há pessoas que precisam ser deslocadas ou até mudar de identidade. Dificilmente um documento será completo nesse sentido.