Título: Sai Carlos Lessa, entram as PPPs
Autor: Milton Temer
Fonte: Jornal do Brasil, 23/11/2004, Outras Opiniões, p. A11

Seria necessário ter protestado contra a saída de Lessa e exigido a demissão das viúvas do mandarinato de FHC, que continuam a controlar as decisões do Banco Central

Os últimos episódios políticos são pródigos na demonstração do modo Lula de conduzir a tropa. Repetindo, no Estado, o que caracterizou seu exercício de liderança, primeiro na vida sindical e, posteriormente, na vida partidária. O brilhante Carlos Lessa foi ejetado da presidência do BNDES e substituído pelo indefinível Guido Mantega. Sai um defensor do desenvolvimentismo com regulamentação estatal, e entra o portador das Parcerias Público-Privadas, modelo lulista de continuar a privatização do Estado brasileiro. É a explicitação da guinada irreversível do governo, com apoio do Partido dos Trabalhadores, em direção aos paradigmas neoliberais. Para quem, da esquerda partidária, ainda acreditava na ''disputa interna de projetos'', uma dificuldade para manter o discurso, sem abrir mão da coerência ideológica.

Enquanto isso, José Alencar, o vice-presidente agora responsável pela fundamental pasta da Defesa, nos brindava com um movimento em sentido oposto, na Conferência continental dos ministros da área, em Quito. Batia de frente com as teses belicista da Casa Branca, rejeitando as imposições de Donald Rumsfeld, porta-voz extremado do fundamentalismo bushiano. As Forças Armadas brasileiras não serão utilizadas em brigadas regionais ''contra o terror'', nem serão transformadas em polícia de repressão ao narcotráfico. Para quem, da esquerda partidária, ainda acreditava na ''disputa interna de projetos'', por conta apenas do caído Fome Zero, um alento.

No balanço de perdas-e-ganhos, um exemplo nítido do modo Lula de comandar: o eterno ''uma no cravo, outra na ferradura''. Numa ponta, submissão total à macroeconomia monetarista que nos coloca de joelhos diante do FMI, dos especuladores e do grande capital. Na outra, a afirmação de soberania no confronto com o expansionismo militar norte-americano.

Até agora, tem sido eficaz. E não é para menos, porque no papel cabe tudo que atenda à terapia de grupo em que se transformaram as reuniões petistas. Em 5 de março, resolução da Executiva do partido afirmava: ''Vamos trabalhar com afinco para que o governo implemente as medidas necessárias para que 2004 marque o início de um novo e sustentado ciclo de desenvolvimento econômico e social do país, através de mudanças na política econômica (...)''. Estamos em novembro. Mudou alguma coisa? Nada. A maioria impôs, neste domingo, mais uma vitória de 34 a 22, recomendando ''mudança na política de juros'', sem deixar de elogiar o que até agora foi feito.

Se alguém pretender que os índices econômicos mostram estarmos no caminho correto, mesmo com a taxa de juros alta; que o exigível é cortar gastos correntes não-financeiros do governo, como afirmam as consultorias dos grandes bancos, com assento privilegiado nos telejornais de maior audiência, vale considerar alguns dados fundamentais.

O documento Perspectivas da Economia Global em 2005, do Banco Mundial, prevê um crescimento brasileiro na ordem de 3,7 a 3,9% do PIB, para o ano que vem. Absolutamente medíocre se levamos em conta, por exemplo, que, para o leste europeu e a Ásia Central, o esperado é de 5,6% e, para o Oriente Médio conflagrado e a sempre discriminada África do Norte, nada menos que 4,7%. Mas em 2004 estaremos crescendo 4,6%, tentará lembrar algum panglossiano. O que também não é vantagem. Segundo o mesmo relatório, o ano de 2004 está se encerrando com um crescimento médio de 6,1% para os países emergentes. Bem maior que o nosso.

O PT só terá recuperado seu rumo anterior quando reconhecer que nossa situação, sempre beirando a crise e a insegurança, não é produto de falta recursos, mas da opção política pela manutenção dos privilégios dos privilegiados que derrotou em 2002, em nome da ''governabilidade''. E impondo ao governo que o gigantesco superávit primário atual seja posto a serviço de um modelo de desenvolvimento justo na distribuição da riqueza produzida, e não à disposição dos juros e serviços de uma dívida externa nunca auditada. Para isso, no entanto, seria preciso outra sinalização. Seria necessário ter protestado contra a saída de Lessa no BNDES e exigido a demissão das viúvas do mandarinato tucano-pefelista de FHC, que continuam a controlar as decisões do Banco Central. O que, convenhamos, só seria possível se o PT nascesse outra vez.