Título: Tanque na batalha da Mangueira
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 07/03/2006, Rio, p. A9

Pela primeira vez desde que iniciou as buscas aos 10 fuzis e uma pistola 9mm roubados do quartel do Estabelecimento Central de Transporte (ECT), na madrugada da última sexta-feira, o Exército usou um tanque armado com canhão. O blindado, um Cascavel do Regimento de Cavalaria Mecanizada (RCME), ficou posicionado ontem no viaduto de acesso à Mangueira, com o canhão apontado para a favela. Além da arma, que utiliza munição calibre 90mm, o veículo é equipado com uma metralhadora antiaérea. A presença ostensiva do Exército, que iniciou a ocupação da Mangueira no início da tarde, deixou o clima tenso na comunidade.

- É estranho. E dá medo, olha as crianças - afirmou, sem se identificar, um carpinteiro, apontando para os dois filhos.

Ali perto, na casa em que moraram Cartola e sua mulher, Dona Zica, uma das filhas do casal observava com apreensão a movimentação.

- Mas se for para manter a ordem - disse, sem querer se identificar.

O clima de tensão foi marcado também por provocações aos soldados. Um adolescente, ao passar por militares, provocou o grupo dizendo que os fuzis seriam tomados.

- Olha quantos bicos (fuzis na linguagem de traficantes) nós vamos tomar - disse o rapaz. - É só tentar - retrucou um dos soldados.

Nas outras favelas ocupadas, a situação era a mesma. Acostumados ao cotidiano de insegurança imposto pelos conflitos entre traficantes, moradores não se conformavam com o ambiente de guerra: militares com armas em punho, barricadas de pneus e sacos de areia, blitzes e revistas.

- Não me sinto protegida, sinto mais medo. Para que ficar com as armas apontadas no horário de saída das crianças das aulas? E para que essas barreiras? - questionou uma professora de uma creche comunitária do Dendê, um dos morros ocupados, na Ilha do Governador.

As barreiras citadas pela professora, na Estrada do Dendê, lembravam trincheiras de guerra: feitas de sacos de areia empilhados para suportar os fuzis dos militares, o artifício impedia a passagem livre. Assustadas com o cenário, crianças evitavam o trajeto.

Na Estrada do Itararé, uma blitz foi montada em uma das entradas do Complexo do Alemão. Cones e pneus bloqueavam as entradas do morro, onde motoristas e pedestres eram revistados. Placas alertavam os moradores sobre a ação do Exército no local. As orientações eram diminuir a velocidade, baixar os faróis e se identificar. Trailers de sanduíches foram improvisados como esconderijos, onde os militares se protegiam.

- Não tenho paz aqui. Quando não é bandido, é polícia e agora até o Exército - contou a dona de um trailer.

Apesar da garantia do coronel Fernando Lemos, relações-públicas do Comando Militar do Leste, de que o Complexo da Maré esteve ocupado ao longo do dia, durante a tarde nenhum militar foi visto nos acessos. Moradores e comerciantes disseram que as tropas deixaram o local pela manhã.