Título: Favela sitiada
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 09/03/2006, Rio, p. A6

Uma fita de lacre amarela impede a entrada dos moradores do Morro da Providência, no Centro, à quadra de esportes da Praça Américo Prum, no alto da favela. O limite imposto por militares na área de lazer não é o único. Durante o dia, o acesso aos veículos é bloqueado por cones. A partir das 20h, as ruas da comunidade se esvaziam. O toque de recolher se estende às favelas de Manguinhos e do Jacarezinho. Magrão, 15 anos, Ralado, 14, Amendoim, 12, e Pirata, 11, costumam se reunir na quadra de esportes no Morro da Providência. Ontem, o futebol de todas as tardes esbarrou na ordem dos militares. Com as chuteiras penduradas, Magrão era o mais revoltado:

- Não podemos andar à noite, e agora não podemos mais jogar bola. E ainda somos revistados toda hora - reclamou.

Um pouco abaixo da quadra, na Ladeira Barroso, o direito de ir e vir também fora cerceado: cones bloqueavam o acesso de veículos na favela. Kombis de transporte alternativo tiveram que abandonar os passageiros no meio da ladeira, limite imposto pelos militares.

A partir das 20h aumenta o drama dos moradores. Os militares não permitem que o gerador de luz da Praça Américo Prum seja ligado, e a parte central da favela fica às escuras. Bares fecham as portas.

Na favela de Manguinhos, em Bonsucesso, os moradores também não ousam desafiar a ordem dos militares: depois das 19h é proibido circular de moto-táxi. Antes da chegada das tropas do Exército, o serviço costumava funcionar das 7h até meia-noite. Segundo moradores, durante a noite, as ruas da favela - que é dominada por traficantes do Comando Vermelho - ficam desertas.

Os moradores de Manguinhos também reclamam da truculência dos militares.

- Estava segurando um guaraná enquanto entrava na favela. Um soldado quis saber o que eu iria fazer com o guaraná. Onde está meu direito de ir e vir ? - reclama um jovem.

Um outro rapaz conta que os militares fazem insinuações para as adolescentes:

- Eles falam ''E aí gostosinha, safadinha''. O pior é que não podemos nem reclamar se não já apontam o fuzil - indignou-se o morador.

Na Favela do Jacarezinho, no Méier, os moradores também tiveram a rotina alterada com a chegada do Exército. Na comunidade, os militares limitam a circulação de motos até as 19h. Na Favela da Mangueira, um agente social conta que os moradores têm que dar satisfação aos militares para onde vão.

- Uma amiga minha estava indo ao médico. Os soldados não acreditaram e ela precisou mostrar a receita - lamentou.

Além do toque recolher imposto pelas tropas militares, moradores de algumas das favelas ocupadas, entre elas, Dique e Furquim Mendes, no Jardim América, não saem de casa depois das 20h por orientação de traficantes.

Para o jurista e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, a ação do Exército, em alguns pontos, é inconstitucional. Na avaliação dele, não se pode proibir o trânsito livre das pessoas.

- Evidentemente essa operação se transformou numa intervenção não-oficial