Título: Aplausos ao lucro da Caixa?
Autor: Francis Bogossian
Fonte: Jornal do Brasil, 09/03/2006, Outras Opiniões, p. A9

A Caixa Econômica Federal obteve, em 2005, o maior lucro de sua história. É fato para comemorar e ao mesmo tempo lamentar. É a própria instituição que afirma: ''O lucro líquido de 2005 não é só recorde histórico, é também o resultado de uma mudança de perfil, de um banco exclusivamente social para um banco voltado ao atendimento de todo o conjunto da sociedade brasileira, com oferta de crédito comercial, fundos de investimentos e demais produtos financeiros, além do tradicional crédito habitacional.'' Num país com um déficit de 7 milhões de moradias, das quais 80% para famílias com renda de até três salários mínimos, e com a população sem saneamento básico, é triste constatar que a Caixa prossegue célere em sua política de aumentar o lucro sem se preocupar em ampliar o financiamento para habitação e saneamento.

A Caixa, ao incorporar o Banco Nacional da Habitação (BNH) em 1986, ficou como o órgão federal responsável pela política e financiamento destes dois setores. Mas nunca assumiu verdadeiramente esta função.

Em 2005, o FGTS destinou R$ 8,6 bilhões para habitação. Estes recursos são administrados pela Caixa que só conseguiu emprestar R$ 5 bilhões. Mesmo assim, só R$ 2,1 bilhões foram destinados ao financiamento de novas habitações. Imóveis prontos e de materiais de construção absorveram os outros R$ 2,9 bilhões. Como se vê, recursos não faltam, o que falta é gestão.

É triste verificar que mesmo o PT, que vai completar quatro anos governando o país, continue com a política nefasta que tanto combateu, deixando de atender nossa população, carente em habitação e saneamento, para transformar a Caixa em mais um banco comercial estatal.

É triste ver a Caixa emprestar dinheiro para aumentar as favelas ao invés de financiar a construção civil que gera empregos. O atendimento à população carente, com renda na faixa de até três salários mínimos só será efetivado com organização e procedimentos que atendam a estes mutuários. Os imóveis precisam, necessariamente, ser subsidiados, porque os mutuários não têm os requisitos básicos para contrair um empréstimo nos moldes convencionais.

O BNH tinha seus problemas, mas o maior erro foi eliminá-lo sem garantir à população uma outra opção. Na época do BNH muito pôde ser feito através das cooperativas, que se organizavam, selecionavam os compradores, adquiriam os terrenos e contratavam as construtoras, repassando o financiamento do BNH. O sistema funcionava. O que não funcionou foi o país. Com uma inflação descontrolada, as prestações ficaram impagáveis e a inadimplência implodiu o setor. A solução foi acabar com o BNH ao invés de solucionar o problema.

O dinheiro existe, interessados existem, mas a falta de um agente que faça esta intermediação faz com que a construção irregular continue crescendo de forma desenfreada. As construtoras não se interessam pelo financiamento às camadas de baixa renda porque não têm mecanismos para selecionar os mutuários. As cooperativas, principalmente as organizadas por sindicatos, que conhecem a categoria e suas necessidades, são capazes de organizar os interessados e fazer a ligação das três pontas. Para gerir este processo é fundamental a criação do BHS - Banco de Habitação e Saneamento, com foco exclusivo nestes dois setores.