Título: A causa paulista
Autor: MAURO SANTAYANA
Fonte: Jornal do Brasil, 10/03/2006, País, p. A2

Os meios de comunicação, pelo tempo e espaço que nisso ocupam, deixam a impressão de que não haverá eleições para a Presidência da República Federativa do Brasil, mas, sim, para decidir o futuro do Estado de São Paulo. No PSDB, a articulação sucessória foi assumida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Sentindo que não havia condições para impor seu nome aos tucanos, o ex-presidente estimulou o confronto entre o governador de São Paulo e o prefeito da capital, dispensando a vontade dos diretórios municipais e estaduais e eliminando a possibilidade de que próceres regionais, como Tasso Jereissatti, pudessem disputar a indicação dos convencionais. Ainda que a disputa possa ter sido uma farsa desde o início, preponderou a causa paulista, definida nos luxuosos gabinetes da grande cidade, entre eles o que abriga o instituto montado para uso do príncipe.

O problema do Brasil é, desde a primeira assembléia constituinte, de 1823, o da descentralização do poder. O absolutismo de Pedro I levou à resistência das jornadas de abril de 1831 e à abdicação do imperador; o Ato Adicional, de 1834, tentou amenizar o domínio de São Paulo e da cidade do Rio de Janeiro sobre o Império, mas foi contido pela regulamentação de Araújo Lima; a inteligência arguta de Tavares Bastos denunciou os abusos da centralização em 1860, e o Manifesto Republicano, dez anos depois, se inicia com a reivindicação federalista. Nunca é demais repetir que durante três décadas seguidas, a partir de 1817, em Pernambuco, até 1848, na mesma Província, brasileiros de todas as regiões foram compelidos a lutar pela autonomia provincial - e essa necessidade os obrigou a retomar as armas, no período republicano, na Revolução Federalista do Rio Grande do Sul, em 1893. A rebelião gaúcha foi derrotada, pelas tropas federais enviadas por Floriano, apesar da bravura de seus combatentes e da força doutrinária de Gaspar da Silveira Martins. A questão federalista voltou, em seguida, ao fermentar a Guerra do Contestado, iniciada entre o Paraná e Santa Catarina, para converter-se em um dos mais importantes conflitos sociais do Brasil, entre 1911 e 1916; contribuiu para as rebeliões militares dos anos 20 e desembocou na Revolução de 30 - esta claramente contra os interesses hegemônicos de São Paulo.

Alguns bem situados formadores de opinião defendem, por convicção ou inocência, a aliança entre parcelas da inteligência paulista e os interesses econômicos do Estado, associados às corporações multinacionais. Ninguém pode opor-se às virtudes de São Paulo, entre elas as do trabalho e da iniciativa empresarial, na vitoriosa aliança entre os imigrantes que trouxeram a técnica e algum capital e brasileiros de todo o país, que constituíram o seu grande exército de operários. Mas só a Federação garante o país contra as seduções de hegemonia e previne os despotismos que, por serem manhosos, não deixam de ser tirânicos. Em sua viagem aos Estados Unidos, bem depois de Tocqueville, Lord Acton identifica, no poder dos estados, a grande força moderadora do governo central e a maior garantia da aplicação dos princípios democráticos. O sistema de prévias regionais obriga as direções partidárias a curvar-se à vontade dos estados. Aqui, se o PMDB realizar as prévias, estará demonstrando a democracia interna que falta a seus adversários.

Espera-se que a reunião de hoje, dos dirigentes do PSDB, em São Paulo, pondere os avisos de nossa realidade, atual e histórica. Tasso Jereissatti e Aécio Neves sabem muito bem que a nação não aceitará a perspectiva de continuar, durante mais oito anos (o que somará duas décadas de mando), sob o domínio do poder dos neoliberais de São Paulo - atrás da China e da Índia. Os neoliberais de São Paulo têm, nos próprios Estados Unidos, a evidência de sua submissão. "Uma das situações mais vulneráveis que a América enfrenta é a dos nossos portos de entrada. E quem quer que seja responsável por esses portos deve ser americano" - disse o deputado Bill Young, membro da Comissão da Câmara de Representantes, que vetou, anteontem, por 62 votos a 2, o controle da Dubai Ports World sobre seis portos americanos.