Título: Exército na berlinda
Autor: Marcelo Gazzaneo e Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 10/03/2006, Rio, p. A8

Cerca de 40 moradores do Morro da Providência protestaram, ontem à noite, em frente ao Comando Militar do Leste (CML), na Central do Brasil, pela segunda vez em menos de 24 horas. Os manifestantes acusaram os militares de cometerem excessos, como dar tiros para o alto, obrigar o fechamento do comércio, impedir a circulação de pessoas e implantar o toque de recolher a partir das 19h. Ao contrário da noite anterior, nenhum representante do Exército recebeu as pessoas, que entoaram o Hino Nacional no meio da Avenida Marechal Floriano, no Centro. ¿ Estamos acuados, por isso viemos até aqui mais uma vez pedir a retirada das tropas ¿ contou uma moradora.

Os militares isolaram a entrada principal do CML com 15 homens e barreiras para impedir a aproximação. Os moradores disseram que, ao se reunirem para organizar o protesto ainda na favela, soldados ameaçaram atirar quando voltassem. Eles também afirmaram que muitos trabalhadores têm de esperar amanhecer para entrar na favela.

¿ Eles temem serem alvejados. Hoje (ontem) não houve confronto com o tráfico, foi o pessoal do Exército que saiu disparando para todos os lados ¿ comentou um morador, sobre os tiros presenciados por uma repórter do JB.

Durante o dia, foi possível ver que o toque de recolher não se restringe ao anoitecer. Ontem, um dia depois de o JB ter denunciado o fechamento da quadra de esportes da Praça Américo Prum, no alto da favela, crianças foram proibidas pelos soldados de andar de bicicleta. As cápsulas de fuzil pelos becos denunciam a tensão vivida pela comunidade.

No início da tarde de ontem, poucas pessoas circulavam na favela. Com cones bloqueando o acesso de veículos, moradores tinham de subir com as compras nas costas.

¿ Doentes que foram ao médico têm que pedir autorização ao oficial do Exército se quiserem voltar de Kombi ¿ indigna-se um morador que usa cadeira de rodas. Os postes da favela foram destruídos e as luzes apagadas. Segundo R., 46 anos, os militares obrigaram cerca de 50 moradores a permanecerem na quadra enquanto atiravam a esmo.

Segundo outro morador, os soldados também atiraram contra uma máquina de música que fica num bar no alto da favela.

¿ Os soldados pediram para o rapaz abaixar a música. Ele não obedeceu e os militares atiraram ¿ conta um adolescente, lembrando que, depois de terminados os disparos, um grupo de moradores seguiu até ao Comando Militar do Leste (CML) para protestar.

Enquanto falava sobre o medo da filha de sete anos ser atingida por bala perdida, uma dona-de-casa recebeu o recado de um dos soldados: ¿Se disparar, disparou¿ disse debochando referindo-se ao fuzil que carregava.