Título: Comando do Exército quer saber por que filme foi proibido
Autor: Leandro Mazzini
Fonte: Jornal do Brasil, 13/03/2006, País, p. A5

O Comando do Exército em Brasília informou que vai apurar o caso de censura do filme Diários de motocicleta, de Walter Salles, que um general e um coronel proibiram de ser exibido em sala de aula para alunos da Fundação Osório, entidade pública de ensino no bairro do Rio Comprido, no Rio. O caso foi denunciado em reportagem publicada ontem pelo Jornal do Brasil.

A censura foi feita em agosto pelo coronel Geraldo Martinez y Alonzo a mando do general da reserva Ney Oliveira, respectivamente vice-presidente e presidente da instituição. Mas só foi revelada agora, depois que um professor de geografia da fundação foi alvo de sindicância por ter reclamado da posição da diretoria. O longa conta a viagem do jovem Ernesto Che Guevara pela América Latina nos anos 50. Em nenhuma cena faz menção à vida do líder guerrilheiro - o que, aos olhos do Exército, pareceria provocação.

O professor Maurillo Neto entregou o cargo de coordenador da disciplina depois de ser intimado a depor em sindicância interna por ter usado, em relatório de atividades, palavras como ''autoritarismo'' em referência à atitude dos diretores. Tomou as dores de uma colega proibida de exibir o filme para alunos da 7ª série.

O coronel Fernando Ferreira, relações-públicas do Comando do Exército, informou que ''o assunto está sendo estudado para verificar o seu contexto jurídico e os limites de competência da Força''. O caso revoltou educadores e cineastas - entre eles o diretor Walter Salles e o agora imortal Nelson Pereira dos Santos, vítima da ditadura com a censura de Rio 40º.

- Nenhum Exército é uma instituição de ensino e não pode cercear informações - lamentou o educador e escritor Rubem Alves.

A Fundação Osório é administrada por militares, nomeados pelo Comando do Exército, e recebe verbas da União para manutenção. Atende a cerca de 1.100 alunos do ensino básico ao pré-vestibular e técnico. São quase todos filhos de militares e de civis. Maurillo Neto entrou na escola, contratado em 1997, e foi efetivado depois de concurso em 1999 como funcionário público. Apesar de filiado ao Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (Sintrasef), ganhou aliados na luta pela liberdade de expressão.

- Esse caso é um absurdo, um resquício da ditadura. Debateremos o assunto na próxima assembléia, e vamos prestar apoio jurídico se for necessário - prometeu Alberto Tinoco, coordenador-geral do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio (Sepe).

No Boletim Oficial Confidencial, de 23 de fevereiro, ao qual o JB teve acesso, vem o relatório final da sindicância redigido pelo general Ney Oliveira. Ali o militar critica as ''posições ideológicas arraigadas'' do professor Maurillo Neto, que defendeu a exibição do filme, e mostra aversão a quaisquer ''métodos não-científicos'' na sala de aula. No último parágrafo, determina que a partir de agora os departamentos de ensino exerçam ''efetivo controle'' de material como filmes e cartazes que for usado nas aulas.

As diretrizes pedagógicas da escola são de responsabilidade do Exército mas variam de acordo com o nível de ensino das instituições ligadas ao Comando, informou o coronel Fernando Ferreira.