Título: Cadeia amansa provocadores
Autor: AUGUSTO NUNES
Fonte: Jornal do Brasil, 14/03/2006, País, p. A2

O presidente Lula - claro - só soube das torpezas depois de consumadas. Os integrantes da comitiva não quiseram perturbar a agenda amena. Neste 8 de março, o chefe passeava em Londres de carruagem ou conversava sobre futebol com o primeiro-ministro Tony Blair enquanto companheiras sem-terra afrontavam, no interior gaúcho, a lei, a ordem e a paciência do país. Lula nada declarou porque nada vira. Não fora pouca coisa. Quase 2 mil mulheres mobilizadas pela Via Campesina, uma das camuflagens do MST, cumpriram exemplarmente a missão que as levara de ônibus ao município de Barra do Ribeiro: atacar a Fazenda Barba Negra, pertencente à Aracruz Celulose. "Vamos acabar com essa multinacional", berravam comandantes da ofensiva.

Ainda que fosse estrangeira, a empresa estaria sob a proteção das leis do país. Mas nem esse pretexto insensato pode ser invocado. A Aracruz, uma das maiores produtoras de celulose do mundo, é inteiramente controlada por brasileiros. Oferece 10 mil empregos diretos. No interior gaúcho, mantém há 20 anos um laboratório para experiências de ponta, além do horto florestal e do viveiro com milhões de mudas de eucalipto.

Cultivava, corrija-se. Depois do dia 8, o verbo deve ser conjugado no passado. Tudo foi destruído pelas guerreiras, que ergueram um monumento virtual ao vandalismo, à violência e à ignorância. O país que pensa ficou estarrecido com o atrevimento das criminosas. João Pedro Stédile gostou.

Num seminário promovido em Porto Alegre para discutir o problema da terra, o chefão do MST - movimento que não tem existência legal - celebrou "a bravura das corajosas companheiras". A seu lado estava Miguel Rossetto, ministro da Reforma Agrária e ordenança de Stédile. O ministro evitou comemorar a façanha das militantes. O ordenança evitou criticá-la.

Rossetto e Stédile são comunistas desde bebês. Mas não confessam a identidade ideológica, como se o Brasil continuasse estacionado nos porões da ditadura militar. Devem estar esperando o triunfo da gloriosa revolução socialista para tirar a fantasia.

Como convém a revolucionários genuínos, Stédile passa os dias caprichando na expressão sisuda de quem carrega nos ombros todas as injustiças do mundo enquanto prepara o ajuste de contas com a burguesia exploradora. Sorri tão pouco que desaprendeu. Quando tenta, o que deveria ser sorriso é reduzido a esgar.

A devastação do centro de pesquisas e do horto da Aracruz foi saudada por um desses esgares. O estranho movimento facial combina com os cabelos alourados (e em queda livre), a barba esbranquiçada, o olhar insolente - e, ao fundo, o mapa do Brasil redesenhado pela inclusão da figura de um sem-terra.

Stédile pareceria mais convincente se a pele tivesse ao menos alguns milímetros bronzeados pelos raios de sol que não poupam os trabalhadores rurais. O rosto de Stédile informa: esse jamais empunhou enxadas nos campos do Brasil. Nem empunhará: o chefe quer terra para todos, menos para ele. Talvez lhe falte vontade para arar o solo. Certamente lhe falta tempo.

Stédile passa a maior parte dos dias entretido em discursos ou enfurnado em reuniões que planejam um fevereiro negro, um março vermelho, um abril lilás. Não se sabe quanto ganha (não deve ser pouco). Nem se conhece a origem do dinheiro que paga o salário do provocador profissional.

A reação indignada ao ataque do dia 8 não lhe tirou o sono. Stédile é amigo de Lula, que gosta de usar o boné do MST. Entra no gabinete presidencial sem marcar audiência e sem pedir licença. Sempre consegue alguma verba para agitar os campos do Brasil.