Título: Nunca desista!
Autor: Paulo Nogueira Batista Jr.
Fonte: Jornal do Brasil, 14/03/2006, Outras Opiniões, p. A11

Com a decisão da semana passada de diminuir em apenas 0,75 ponto percentual a taxa Selic, o Banco Central manteve o Brasil na liderança absoluta da copa mundial da usura. Esse caneco já é nosso há muito tempo. Apesar das reduções recentes, a taxa de juro, em termos reais, ainda corresponde a nove vezes a média das taxas equivalentes no resto do mundo! A consultoria GRC Visão tem feito levantamentos a esse respeito, incluindo dados de 16 países desenvolvidos, 23 países ''emergentes'' e Hong Kong. Os resultados são sempre constrangedores para o Brasil. Não é incomum, por exemplo, que as taxas de curto prazo de diversas economias sejam negativas em termos reais. No último levantamento, nada menos que 11 países apresentavam juros reais negativos ex ante (isto é, quando se desconta da taxa de juro nominal a inflação esperada para os próximos 12 meses). Nos EUA, a taxa real ex ante é 0,5%. Na Alemanha, 0,7%. No Japão, negativa em 0,7%. No Brasil, sabe-se lá por que, a taxa alcança nada menos que 11,6%.

Normalmente, a taxa básica de juros, fixada pelo Banco Central, recebe mais atenção do que as taxas, muito mais altas, cobradas pelos bancos. Nesse ponto, também somos imbatíveis. Comparação recente publicada pela Folha de S. Paulo, com base em dados de 107 países coletados pelo FMI, chegou à conclusão de que os juros bancários brasileiros são os maiores do mundo (44,7% em termos reais), seguidos pelos de Angola (43,7%), de Gâmbia (31,8%) e do Paraguai (23,8%). A companhia não é lisonjeira. Os dados referem-se ao segundo trimestre de 2005 e às taxas praticadas pelos bancos no segmento livre do mercado de crédito.

Abro aqui um parêntese. Às vezes me perguntam de onde tiro forças para bater insistentemente na mesma tecla. Nem sei direito. A minha resposta preferida é a seguinte: adotei o lema de Winston Churchill que, em circunstâncias muito piores, no início da Segunda Guerra Mundial, quanto tudo parecia perdido e a vitória da Alemanha nazista, inevitável, conclamou os britânicos a nunca desisitir: ''Never give in!''.

Churchill retomou o lema na esplêndida peroração de um dos últimos discursos na Câmara dos Comuns, em 1955. É preciso combinar paciência e coragem, disse ele. O tempo virá em que poderemos deixar para trás ''a época hedionda em que temos de viver''. ''Meanwhile'', concluiu, ''never flinch, never weary, never despair'' (enquanto isso, nunca se acovardem, nunca desanimem, nunca desesperem).

Não tenho essa fibra toda, infelizmente. Passo por momentos de desânimo e, às vezes, até de depressão. Devo dizer que, nos últimos anos, muito mais do que antes, o apoio dos leitores, por e-mail, em cartas aos jornais, nas ruas, etc. tem sido fundamental. Agora mesmo interrompi a redação do artigo para comprar um caderno aqui perto e o homem atrás do balcão me pediu, sorrindo: ''Você escreve no jornal, não é? Vê se continua chamando o Lula de rainha da Inglaterra!''.

De fato, em matéria de política monetária, o presidente da República não passa de uma rainha da Inglaterra, com coroa, cetro, trono e todo o aparato inócuo da realeza. A direção do Banco Central faz o que bem entende.

E o que ela ''bem entende'' faz cada vez menos sentido. A inflação está controlada. As expectativas de mercado apontam para cerca de 4,5% em 2006. O Brasil já não está muito distante do que os bancos centrais dos países desenvolvidos consideram, na prática, estabilidade de preços: uma inflação da ordem de 2% ao ano.

Por outro lado, a economia brasileira vem crescendo bem abaixo do seu potencial. 2005 foi um fiasco, como se sabe. As expectativas de mercado para 2006 apontam para um crescimento de apenas 3,5%. O Ipea, órgão do governo, projeta 3,4%. A apreciação do real, provocada em grande medida pela política de juros, contribui para esse ritmo modesto. O Ipea estima que a taxa de expansão real das exportações diminua de 11,6% em 2005 para apenas 4,5% em 2006 e que a das importações suba de 9,5% para 14,8%. O país inteiro (excetuados os banqueiros e rentistas) clama por juros menos selvagens. Até mesmo banqueiros criticam a política de juros e câmbio.

Enquanto isso, meia dúzia de fundamentalistas instalados do Banco Central segue rotinas importadas, aplica mecanicamente o regime monetário da moda e se contenta em verificar se a taxa de inflação esperada está dentro da meta.