Título: Russos divergem de autópsia de Haia
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Fonte: Jornal do Brasil, 14/03/2006, Internacional, p. A14

Mesmo morto, o ''açougueiro dos Bálcãs'' segue polêmico. Por não confiarem nos resultados da autópsia feita em Slobodan Milosevic, médicos russos vão pedir às autoridades holandesas que os deixem fazer novos exames no ex-presidente da Iugoslávia, encontrado sem vida no sábado, na cama da cela que ocupava em Haia. Milosevic estava sob julgamento por crimes de guerra nos Bálcãs, nos anos 90.

De acordo com os testes feitos pelo toxicologista Donald Uges, da Universidade Groningen, foram identificados no sangue de Milosevic traços de rifampicina - um remédio contra lepra e tuberculose que teria cortado o efeito dos medicamentos para hipertensão crônica. A causa oficial da morte do ex-líder foi anunciada como um ataque cardíaco.

Na opinião de Uges, Milosevic não tentou se matar. Mas é possível que soubesse que os medicamentos que tomava iriam piorar sua saúde - o que lhe daria a chance de ser atendido na Rússia.

- Queria apenas viajar para Moscou, onde estão seus amigos e parentes, inclusive mulher, filho e irmão. Acho que essa era sua última chance de escapar de Haia - disse. - Tenho certeza de que também não se tratou de um assassinato por envenenamento.

O Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia tinha previsto chegar a uma sentença sobre o ex-presidente nos próximos meses. Possivelmente, seria condenado à prisão perpétua por 66 acusações de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra ocorridos durante os conflitos na Bósnia, na Croácia e em Kosovo.

Deixando a diplomacia de lado, o chanceler russo Serguei Lavrov declarou sua desconfiança na autópsia feita em Haia. E afirmou que enviará um grupo de peritos à cidade, sede do TPII.

- Se eles não acreditaram em nós, também temos direito de não acreditar - disse Lavrov.

O ministro das Relações Exteriores lembrou que Milosevic tinha pedido para ser levado a Moscou para seguir tratamento médico, mas o TPII negou, por temor de que não retornasse a Haia, apesar das garantias oferecidas pelo Kremlin.

- De fato, desconfiaram da Rússia, o que nos preocupa, já que pouco depois Milosevic morreu - acrescentou.

Os especialistas russos tinham examinado o ex-presidente anteriormente e constataram uma piora de sua saúde. A Corte, entretanto, sustentou que nem a defesa nem os médicos do acusado demonstraram que o tratamento não pudesse ser realizado na Holanda. Recentemente, o ex-ditador enviou uma carta às autoridades de Moscou na qual divulgava sua desconfiança de que era vítima de envenenamento.

Segundo a imprensa russa, as dúvidas dos juízes do TPII existiram porque Milosevic tinha vários partidários entre a classe política da Rússia, que se opôs aos bombardeios da Otan na Iugoslávia. Acredita-se ainda que alguns foragidos do TPII estejam escondidos no país.

Diante da pressão, a embaixada da Holanda em Moscou aprovou ontem vistos de entrada para o filho de Milosevic, Marko, e a quatro médicos legistas russos, que vão revisar a autópsia. A permissão para os legistas é de sete dias, e a de Marko, de três dias. Neste período, estará responsável pelo transporte do corpo do pai. Embora não tenha apoio do governo da Sérvia, a intenção da família é enterrar o general no país balcânico. Se não tiver garantias de segurança, o funeral ocorrerá em Moscou.

- Acabo de perder meu pai, e não penso em arriscar minha mãe, Mira - explicou Marko ao principal canal da tevê russa.

Em apoio à proposta do presidente Boris Tadic, o Conselho Supremo de Defesa da Sérvia e Montenegro proibiu que unidades do Exército participem do eventual funeral do ex-líder.

- Um enterro estadual de Milosevic seria absolutamente inadequado ao papel que ele teve na história recente da Sérvia - argumentou Tadic, lembrando dos protestos populares de 5 de outubro de 2000, que levaram à queda do regime autoritário.

Leia no JBlog do Ambrosio (www.jblog.com.br): ''Réquiem para o açougueiro dos Bálcãs''.