Título: O silêncio dos culpados
Autor: Augusto Nunes
Fonte: Jornal do Brasil, 16/03/2006, País, p. A2

Primeiro perdeu o pudor. Em seguida, o respeito pela verdade. Depois, a freguesia. Agora Duda Mendonça perdeu a voz, como informou o segundo ato do drama protagonizado na CPI dos Correios pelo antigo marqueteiro do rei. Fez bonito na abertura, em 12 de agosto de 2005. Loquaz como sempre, mentiu com extraordinária desenvoltura. Seria o último espetáculo de longo curso encenado pelo artista. Antes que a desgraça lhe batesse à porta, Duda discorria sem pontos nem vírgulas sobre qualquer assunto. A verborragia alcançava altitudes espantosas quando a conversa enveredava por temas que lhe são particularmente caros. Brigas de galo, por exemplo. Ou o vistoso barco que ondula no litoral da Bahia. Ou vinhos de sonho, acessíveis só a quem não precisa perguntar o preço antes de comprar. E marketing político, claro.

Nessa pista, o campeão engatava a quinta marcha e decolava para o pódio sem perder tempo com pit-stops. Foi o que fez nas 10 horas ao longo das quais atropelou sem dó o Lula de ficção que criara em 2002. Nesta quarta-feira, a criatura esbanjava saúde e alegria de viver, feliz com a perspectiva da reeleição. Na CPI, o criador parecia ter perdido a fala.

"Desculpe, deputado, mas prefiro não responder à pergunta", balbuciava um Duda Mendonça enredado nas misérias do annus horribilis. "Perdão, senador, mas não farei comentários sobre isso", murmurava logo além, sob o olhar vigilante de bacharéis que cobram em dólares a hora de trabalho.

"Os advogados me convenceram de que seria melhor não falar", alegou. Queixou-se da imprensa e de perseguidores que não identificou. "Depois de ter vindo espontaneamente a esta CPI, fui submetido a um massacre", imaginou. Dito isto, valeu-se do habeas-corpus preventivo concedido pelo Supremo Tribunal Federal para recolher-se ao silêncio dos culpados.

Graças às togas, Duda livrou-se de uma das estações do calvário - talvez a mais branda. Não escapará de outras controladas por inquisidores menos pacientes. A Polícia Federal e o Ministério Público arrancarão do mudo ocasional as respostas negadas à CPI.

Sobram perguntas, coletadas desde a época da parceria com aquele-que-tudo-fez. Hoje se sabe que, além das avenidas, do metrô, das rodovias, dos becos, das vielas, Paulo Maluf também fez Duda aprender os segredos da lavagem de dinheiro no exterior. Falta saber quanto dinheiro o marqueteiro juntou ilegalmente sob a orientação do doutor Paulo.

E quanto levou para soprar ao chefe que um negro entendido em economia seria o candidato ideal à sucessão? Juntos, Duda e Maluf fizeram Celso Pitta, que viajou para a vitória a bordo de um certo "fura-fila" inventado pelo marqueteiro. Quanto ganhou - por fora, naturalmente - como "consultor" do pior prefeito que São Paulo já teve?

Essas interrogações remontam ao século passado. Ainda mais perturbadoras são as vinculadas a façanhas recentes. Associam o artista a bandalheiras do governo, maracutaias do PT e de partidos alugados, patifarias em paraísos fiscais, lavanderias suspeitíssimas em bancos estrangeiros. Para o Brasil que pensa, Duda está mal no retrato. Para o governo, nem tanto: o publicitário mantém a conta mastodôntica da Petrobras. Há dias, soube que lhe caberá animar o país com a boa notícia: o preço da gasolina baixou.

Lula vai gostar: ele sempre gosta do que Duda faz. Telefonará para os devidos elogios e agradecimentos. Pode ser o recomeço de uma bonita amizade, abalada pelos barulhos de 2005.

Então teríamos Lula e Duda juntos novamente. Eles se merecem.