Título: Providência vai à Justiça
Autor: Ricardo Albuquerque
Fonte: Jornal do Brasil, 16/03/2006, Rio, p. A8

A Associação de Moradores do Morro da Providência resolveu entrar na Justiça contra o Exército. A decisão para ingressar com uma ação civil pública contra os militares foi tomada depois de uma reunião, ontem à tarde, com representantes dos ministérios públicos Estadual e Federal, Secretaria Estadual de Direitos Humanos, da ONG Viva Rio, e os deputados estaduais Geraldo Moreira e Alessandro Molon. No encontro, moradores listaram prejuízos sofridos durante os 10 dias de ocupação dos pelotões na comunidade. Márcia Regina Alves, presidente da associação, levou os representantes para conferir de perto os estragos causados pelos tiroteios.

De acordo com os relatos, a Igreja Nossa Senhora da Penha, no alto do morro, foi alvejada por soldados. A imagem da santa foi quebrada. Pelo menos 50 caixas d'água foram danificadas por bombas, segundo eles. No tiroteio da sexta-feira, quando três pessoas foram atingidas por estilhaços de granada e balas de raspão, um bar foi destruído.

Há quase uma semana, a comunidade está às escuras. Os postes do principal acesso à parte alta da favela - uma escadaria com mais de 300 degraus - continuam sem lâmpadas.

- Eles não podem sair e deixar tudo destruído. Fomos humilhados e queremos que tudo seja recuperado - afirmou Márcia Regina.

No dia seguinte ao fim da primeira fase da operação do Exército, a Providência voltou ao domínio do tráfico. Pela manhã, a Ladeira do Barroso, principal acesso à favela, estava tomada por integrantes da facção que controla os pontos de venda de drogas na comunidade. Armados e com radiotransmissores, eles se espalharam por lajes.

Apesar de continuarem sob a guarda dos bandidos, os moradores se mostravam aliviados com a saída das tropas:

- Agora sim, meus filhos podem ir à escola e brincar sem ter ninguém revistando a gente - comentou uma moradora.

Na Rocinha, única favela ocupada pelo Exército na Zona Sul, moradores também retomaram o cotidiano, um dia depois da missão militar. Baleado numa das coxas, o estudante Davi Gomes de Oliveira, 16 anos, continua internado no Hospital Miguel Couto. Atingido quando consertava um vazamento na laje de casa, o rapaz foi operado e passa bem.

Dono da Beer Pizza, na Estrada da Gávea, Jair Alves da Silveira afirmou que o movimento da pizzaria caiu em mais de 50% durante a permanência das tropas na comunidade e não havia voltado ao normal ontem à tarde. Reflexo semelhante foi notado pelos serviços de moto-táxi, que transportam moradores na favela. Até o entardecer, não haviam feito a metade das viagens habituais.

- Durante a ocupação, pedimos, através da rádio e da televisão comunitárias, que as pessoas evitassem sair às ruas, prevendo um tiroteio a qualquer instante. Com isso, o comércio vendeu menos - contou Eduardo Casaes, idealizador do jornal Rocinha Notícias.