Título: Tropa age sem testemunhas
Autor: Ricardo Albuquerque
Fonte: Jornal do Brasil, 16/03/2006, Rio, p. A8

Surpresos com a informação de que as 11 armas roubadas do Exército foram encontradas em uma das trilhas de acesso ao esqueleto do Gávea Tourist Hotel, moradores e comerciantes da Estrada das Canoas, em São Conrado, duvidaram ontem da versão apresentada pelos militares. Segundo eles, nenhuma tropa esteve na região do esqueleto das 10h às 18h de terça-feira, dia em que a corporação afirma ter recuperado os dez fuzis e a pistola levados do Estabelecimento Central de Transportes (ECT), em São Cristóvão, há 13 dias. ¿ Só se eles vieram pela mata, coisa que eu acho muito difícil por que eles teriam que conhecer muito bem a Floresta da Tijuca ¿ contou uma moradora de São Conrado, que permaneceu das 17h às 17h45 a menos de 20 metros da entrada do esqueleto devido a um problema no motor do seu carro.

Policiais do Grupamento Tático de Motociclistas (GTM) de São Conrado, que patrulham a Estrada das Canoas, e do destacamento comunitário da Vila Canoas ¿ comunidade a 1,3 quilômetro de distância do esqueleto ¿ reforçaram a desconfiança de moradores e comerciantes.

¿ Essa história está mal explicada porque ninguém viu qualquer tipo de agitação nas proximidades ¿ concluiu um motociclista do GTM.

Um oficial do 23º BPM (Leblon) confirmou que o patrulhamento da área também não percebeu qualquer movimentação. O presidente da Associação de Moradores e Amigos de Vila Canoas (Amavica), Miraldo Souza, lembrou que desde que as tropas do Exército ocuparam as favelas, há 13 dias, nenhum veículo militar passou na estrada.

¿ O que gera comentários é exatamente a falta de transparência na informação. Por aqui, eles não passaram, nem de carro descaracterizado ¿ acrescentou Miraldo.

Primeira comunidade a ser urbanizada pelo programa Favela-Bairro da prefeitura, Vila Canoas começou a ser habitada em 1965 por operários que trabalharam na construção do Gávea Tourist Hotel. Com a falência da construtora Companhia Califórnia de Investimentos e a suspensão da obra, os trabalhadores utilizaram burros de carga para levar os materiais, como tijolos e areia, até onde foram erguidas as primeiras casas.

A reportagem do Jornal do Brasil percorreu os 15 andares do esqueleto e uma das trilhas que começa na parte lateral do prédio, um dos acessos naturais à Floresta da Tijuca. Na parte inferior à área reservada ao estacionamento, a carcaça queimada de um Fiat Uno Fire com 14 perfurações a bala, permanece no local há mais de um ano, segundo informaram moradores da Vila Canoas. Do primeiro ao último andar da construção, as paredes em péssimo estado de conservação exibem inscrições como ¿Borel CV¿ (Comando Vermelho) e ¿Getam esteve aqui¿ (Grupamento Tático Móvel da PM), além de pichações de casais de namorados. Peças de automóveis (amortecedores, pára-brisas, pneus), tênis, latas de cerveja e refrigerante, estilete, pets e sacos de lixo também são encontrados sem dificuldade.

O prédio de 15 andares, projetado para ter 40 apartamentos de 23 metros quadrados cada um, ocupa 22 mil metros quadrados na Estrada das Canoas. Na década de 60, chegou a funcionar no térreo a boate Sky Terrace Bar.

Diretor do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), Ronaldo Leão, considerou normal o estado em que os fuzis e a pistola foram encontrados. Segundo ele, as armas enferrujam escondidas na mata, ao ar livre ou enterradas por mais de três dias.

¿ Quando expostos à umidade, os armamentos entram em processo de oxidação ¿ explicou.