Título: As sombras da ocupação
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 16/03/2006, Opinião, p. A10

O episódio das armas roubadas de um quartel em São Cristóvão deslocou parte do Exército brasileiro para uma zona de sombra. Primeiro porque, embora bem-vinda e justificada, a operação nas favelas do Rio de Janeiro confirmou o despreparo dos soldados para agir em conflitos urbanos. Uma segunda razão é igualmente inquietante. Trata-se da revelação de que integrantes do Exército negociaram sigilosamente com a facção criminosa Comando Vermelho a recuperação dos 10 fuzis e da pistola roubados no dia 3 de março. A informação foi divulgada ontem pelo jornal Folha de S.Paulo. Em troca da devolução das armas, bandidos teriam exigido o fim das operações nas favelas cariocas. Apesar de negarem o acordo, o secretário da Segurança do Rio de Janeiro, Marcelo Itagiba, e o chefe de Estado-Maior do Comando Militar do Leste, general Hélio de Macedo, ofereceram poucos detalhes sobre as trilhas que levaram às armas. A excessiva deterioração da pistola e dos fuzis em tão pouco tempo nas mãos dos bandidos ajudam a tornar o episódio mais nebuloso.

A gravidade de um episódio do gênero não dispensa os militares de reagir com minúcia e sensatez. A ira decorrente da afronta de narcotraficantes, porém, resultou em movimentos precipitados. A prevalência do voluntarismo apressou a intervenção militar no Rio, cujo balanço se revela muito mais próximo do espalhafato do que de resultados concretos em nome da segurança nas ruas da cidade. Escancararam-se a inexperiência dos oficiais neste tipo de combate e, sobretudo, o despreparo de soldados.

Em sucessivos editoriais, publicados nos dias de operação nas favelas, o Jornal do Brasil alertou para a necessidade de competência específica para esse tipo de operação. Depois de uma semana de invasões, correrias e toques de recolher, não se tomou qualquer fortaleza do tráfico e não se capturou um único assaltante. E as armas foram encontradas em circunstâncias ainda obscuras.

A intervenção de forças federais, insista-se, é necessária para uma cidade conflagrada pelo medo. Antes, contudo, é preciso que o Exército saiba como ajudar nessa nova forma de guerra.