Título: O presidente desportivo e outras histórias
Autor: Ricardo Antunes
Fonte: Jornal do Brasil, 16/03/2006, Outras Opiniões, p. A11

Foi curioso ver o presidente Luiz Inácio Lula da Silva andando de carruagem naquela que talvez seja a mais decadente das monarquias, a britânica, que tanto desprezo tem para suas classes trabalhadoras e para a juventude do Reino Unido. Selava-se o momento de ''identidade'' entre a família real e o representante plebeu, identidade que não consegue superar o espaço da mais banal das formalidades. Lembrei-me de outro, cuja história tem tantos traços de similitude com o Lula.

Anos atrás, se minha memória ainda é boa, lembro-me do ex-líder operário Lech Wallessa, que nasceu nas lutas de Gdansk, regozijando-se no passeio Real, provavelmente na mesma carruagem da realeza decadente. Na época, o exemplo servia para diferenciá-lo de Lula, o ex-metalúrgico do ABC paulista, que então embalava as lutas sociais e sindicais do Brasil. O tempo aplainou estas diferenças.

Foi também estranho ver o Lula, no Parlamento inglês - outro espaço excludente da velha Inglaterra - falar tanto de futebol. Ronaldinho pra cá, Ronaldão pra lá, conversa telefônica com o ''querido'' Parreira em horário global, nosso presidente parecia querer encantar o mundo britânico preenchendo o vazio decorrente da ausência de uma verdadeira representação política que fosse contrária ao que pratica Tony Blair e seu governo belicista, apêndice europeu dos EUA de Bush. Lá estava Lula, com mais e mais futebol. Como essa falação tem dado ''ibope'' no circo da política como farsa e simulacro, fico pensando quem é o atual mercadólogo que substituiu Duda Mendonça e fica, então, assoprando para o Lula aquilo que ele deve falar para inchar nas pesquisas.

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A Câmara dos Deputados viveu, na semana passada, um de seus momentos de maior aviltamento e deterioração. Sabemos que a degradação parlamentar pode ser uma imposição especialmente vinda de fora, como ocorreu durante a ditadura militar, que não parava de reprimir os autênticos representantes dos interesses nacionais e populares. Cassações, prisões, censura, tudo esteve presente durante o bonapartismo militar da ditadura pós-64.

Mas desta vez a Câmara dos Deputados é diretamente partícipe da própria degeneração. Foi responsável pela autodegradação que lhe acometeu, num acordão, pouco importa se selado a quatro mãos ou não - porque de fato foi efetivado entre partidos da base do governo e da oposição ao centro e à direita, é sempre bom lembrar - onde dois deputados diretamente envolvidos com a corrupção política (e ideológica) foram vergonhosamente absolvidos. A alternativa certamente não pedir o fechamento da Câmara, mas um voto popular de repúdio aos parlamentares degradados. E que são muitos, muitos.

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Duas prefeituras são fotografias distintas de distintos PTs. A de Ribeirão Preto, onde o ex-prefeito, hoje ministro Palocci, cada vez mais se enrosca e se aproxima dos interesses da burguesia do lixo, com contatos, telefonemas, visitas que aparecem cada vez mais, a cada depoimento realizado, numa forma de ação que, hoje sabemos, não se restringiu a Ribeirão Preto, mas esteve presente em muitas prefeituras administradas pelo PT dominante, sob batuta de Delúbio e sua tropa.

E, de outro lado, a atuação forte, firme, dura, séria, republicana e socialista de Toninho, do PT de Campinas, brutalmente assassinado, ao que começa a aparecer, por coibir os recolhimentos e saques da burguesia do lixo naquela cidade. Eram dois projetos distintos: um está vitorioso no Palácio do Planalto e faz qualquer ginásticas para buscar sua reeleição. O outro (projeto) foi assassinado e não encontra representação no PT dominante. Eles espelham, de certo modo, as distintas e diferentes histórias e trajetórias do PT.