Título: Nações Unidas contra abusos
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 16/03/2006, Internacional, p. A13

Em uma decisão histórica, que marca o início de uma reforma em sua estrutura, a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) criou um novo órgão de defesa dos direitos humanos. O anúncio foi recebido por longos aplausos, após a votação pelo placar de 170 a 4, com 3 abstenções. Além dos Estados Unidos e de Israel, Palau e ilhas Marshall votaram pelo não. Abstiveram-se a Bielorússia, o Irã e a Venezuela.

O novo conselho, com 47 integrantes, substituirá a desgastada Comissão de Direitos Humanos (CDH), que tem sede em Genebra e 53 integrantes. O fórum foi bastante esvaziado nos últimos anos, quando alguns dos maiores violadores dos direitos humanos não só ganharam assento na comissão - como China e Cuba - como chegaram a presidi-la - caso da Síria e da Líbia. Também contou para o desgaste a tendência de condenar os pequenos países e nunca as potências. O novo conselho terá a função de expor os violadores e de ajudar os países a criar leis específicas na área.

Ao explicar as razões do voto em contrário, o embaixador dos EUA na ONU, John Bolton, disse que as regras do novo conselho não são rígidas o suficiente para evitar que aqueles que sistematicamente desrespeitam direitos humanos voltem a ter espaço. Mas a derrota diplomática não significa que os americanos boicotarão a entidade.

- Não tínhamos confiança suficiente neste texto para dizer que o conselho será melhor que seu antecessor. Dito isso, os EUA vão trabalhar em cooperação com outros Estados-membros para torná-lo o mais forte e eficaz possível - disse Bolton.

Cuba, que havia proposto quatro emendas, votou a favor da criação, embora tenha feito uma lista de objeções e chamado o organismo de uma criação do Ocidente. O embaixador cubano Rodrigo Malmierca aproveitou a ocasião para criticar os Estados Unidos.

- Será possível que o novo Conselho aprove uma resolução pedindo que os Estados Unidos sejam responsabilizados pelas torturas e violações em Guantánamo ou na prisão iraquiana de Abu Ghraib? - perguntou

A Venezuela, através de seu embaixador, Fermín Toro, também apresentou reservas, e pediu que os países que não tenham concluído seu mandato na atual Comissão de Genebra sejam incorporados como membros no novo órgão.

Muitos países, entre eles, o Canadá e integrantes da União Européia, assim como grupos ativistas, têm as mesmas preocupações dos EUA. Mas rejeitaram a proposta de Bolton de adiar ou renegociar a criação da entidade, temendo que o resultado final arruinasse todo o esforço prévio.

O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, propôs a criação de um novo fórum no ano passado, como parte da grande reforma na entidade global. Mas seu plano inicial acabou muito abrandado na resolução. O presidente da assembléia, Jan Eliasson, que o negociou por meses, considerou-o capaz de garantir avanços em relação aos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

- Chegamos a um momento decisivo, para a promoção e a proteção dos direitos humanos e para o multilateralismo. O mundo nunca precisou tanto de uma ONU forte.

Os membros do conselho serão eleitos por votação secreta pelo voto de maioria de todos os integrantes, não dos que estão presentes na sessão de votação. O grupo realizará revisões periódicas do histórico de todos os membros da ONU no assunto, a começar pelos próprios eleitos. Um país que viole sistematicamente os direitos humanos pode ser suspenso por uma votação com maioria de dois terços na Assembléia Geral. Hoje essa possibilidade não existe.

As cadeiras serão distribuídas entre grupos regionais: 13 para a África, 13 para a Ásia, seis para o Leste Europeu, oito para a América Latina e Caribe e sete para um bloco de países ocidentais, entre eles, os EUA e o Canadá.

A modificação estrutural foi bem recebida pela União Européia. Em comunicado, o Alto Representante para a Política Externa e Segurança da UE, Javier Solana elogiou a decisão.

- A tarefa agora é fazer o conselho funcionar - disse.

O comunicado afirma que a UE votou a favor do texto, embora preferisse acordo mais ambicioso. O ministro das Relações Exteriores francês, Philippe Douste-Blazy, comemorou o que classificou de ''reforço de legitimidade e credibilidade da ONU''.