Título: Caseiro, motorista, ex-mulher...
Autor: Daniel Pereira e Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 17/03/2006, País, p. A2

Fernando Collor não esperava que o motorista da secretária particular fosse peça-chave para apressar o processo de impeachment. Assim como nas previsões do ministro Antonio Palocci certamente não constava que o depoimento-bomba de um simples caseiro, curioso e observador, ameaçasse detonar a República de Ribeirão Preto alojada na mansão do Lago Sul.

No calcanhar do ex-deputado Valdemar da Costa Neto estava a atenta mulher, desconfiada de algumas conversas ao telefone e de estranhas reuniões na sala de visitas. Separada, relatou o que sabia à CPI dos Correios. A ex-mulher de um fiscal acusado de participar do propinoduto, no Rio, também complicou a vida do ex-marido. Contou que ele guardava dólares na gaveta e confessou-lhe que mandava o dinheiro para a Suíça.

Montanhas de documentos investigados, batalhas jurídicas em torno da quebra de sigilos, caixas-pretas devassadas, grampos, discursos inflamados nas CPIs. Os holofotes permanentemente ligados para os eventos oficiais não foram suficientes para rivalizar, em impacto, com testemunhos de gente comum, muitas vezes com ar simplório, mas exalando sinceridade.

O motorista Eriberto França transportava dinheiro enviado por Paulo César Farias para pagar contas particulares do presidente, como revelou a revista IstoÉ. Eriberto não hesitou em confirmar o fato para os parlamentares. Quando Roberto Jefferson, então da tropa de choque de Collor, perguntou ao motorista se mantinha as declarações apenas por patriotismo, a resposta veio rápida: ¿E o senhor acha pouco?¿

A ex-secretária de Marcos Valério Fernanda Karina Somaggio contou à CPI dos Correios que o ex-patrão tinha contatos freqüentes com dirigentes do PT. Contou também que via sair malas de dinheiro da agência de publicidade onde trabalhava. Provocada por governistas, não perdeu a calma ao declarar-se petista e desiludida com o governo. Episódios singelos e surpreendentes que às vezes levam o governo a pedir socorro ao Supremo.