Título: Enredo bisonho
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 17/03/2006, Opinião, p. A10

O episódio da interrupção do depoimento do caseiro Francenildo dos Santos Costa, convocado pela CPI dos Bingos, inclui movimentos que não favorecem o bom relacionamento entre os três Poderes da República. O Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal vêm protagonizando um enredo preocupante e inquietante para milhões de brasileiros interessados na remoção dos tumores da corrupção que infestam o organismo institucional. O capítulo exibido na tarde desta quinta-feira foi tristemente exemplar. Convidado a contar o que sabe, o caseiro faria revelações prejudiciais ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Ele trabalhou na casa, localizada no Lago Sul, em Brasília, alugada por ex-assessores do ministro quando prefeito de Ribeirão Preto. Do grupo fazem parte Vladimir Poletto, Rogério Buratti e Ademirson Ariovaldo, investigados por transações suspeitas ocorridas naquele município paulista. Para muitos integrantes da CPI, a casa foi usada pela chamada ''república de Ribeirão Preto'' para o trabalho de lobby na área federal, em favor de empresários amigos.

Palocci afirmou à CPI que nunca freqüentou a residência. Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, Francenildo afirmou o contrário. O PT deduziu que as declarações do caseiro seriam bastante prejudiciais ao ministro. Por isso, recorreu ao Supremo Tribunal Federal para obter uma liminar que silenciasse o depoente. Conseguiu o apoio do ministro Cezar Peluso.

''É um depoimento que poderia envolver questões pessoais'', acha o presidente do partido, Ricardo Berzoini. Os petistas temiam que a CPI se transformasse num espetáculo perigoso. A decisão de Peluso, contudo, chegou à CPI alguns minutos depois do desejado pela legenda governista. O caseiro falou pouco, mas o que disse foi suficiente para causar mais embaraços ao ministro da Fazenda do governo Lula.

Francenildo identificou pelo nome os habituais freqüentadores da casa e apontou quem pagava para sustentar a residência. São respeitáveis, registre-se, as razões jurídicas para impedir a continuidade do depoimento. A referência a ''questões pessoais'' e a abrangência dos trabalhos da CPI - destinada a apurar ''fato determinado'', segundo as regras do Legislativo - tornaram incômodas as declarações do caseiro. (Dispensam-se, aqui, argumentos de ordem política, segundo os quais a oposição pretende tão-só turvar a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva.)

Mais incômodas são as sucessivas tentativas do PT e do governo destinadas a barrar investigações em curso. Contradizem as declarações do presidente, para quem o governo investiga e é transparente como nenhum outro teria sido. Igualmente preocupante é o histórico de decisões do STF, favoráveis ao Planalto. A politização da mais alta Corte do país e a interferência em assuntos do Legislativo são perturbadoras.

O ministro Antonio Palocci tem uma elogiável folha de serviços prestados ao Brasil. Sua imagem até aqui é marcada pela integridade e pela competência. Nos depoimentos que prestou, respondeu com segurança às perguntas. Mas não está imune a investigações, sobretudo se fundamentadas em fatos comprovados.

Aos olhos da nação, pareceu que existem verdades que não convém revelar. Também se fortaleceu a impressão de que figuras humildes podem causar embaraços de bom tamanho a autoridades federais. Foi inevitável comparar o episódio de quinta-feira com a performance de Eriberto França, um dos motoristas a serviço da Presidência da República, cujas declarações ajudaram a desmontar o grupo liderado por PC Farias, sob as bênçãos do presidente Fernando Collor.

Ao calarem Francenildo, o PT e o governo ampliaram o balaio de suspeitas. O silêncio talvez provoque mais estragos que qualquer declaração.