Título: Livros, digitais e identidade
Autor: Sergio Martins
Fonte: Jornal do Brasil, 17/03/2006, Caderno B, p. B8

Assim como outros diretores de grandes acervos de livros de outros países do mundo, Muniz Sodré, presidente da Fundação Biblioteca Nacional, está dividido entre o maravilhamento e o receio diante da proposta do site de busca Google de criar um sistema de busca internacional unindo acervos de várias instituições, unindo, em tese, 15 milhões de volumes. Hoje, a ferramenta Google Book Search (http://books.google.com) já permite acesso a milhões de volumes na rede, a partir de buscas simples. O projeto da empresa é ampliar esse acesso incessantemente. Ao Brasil, o Google acenou com um investimento de US$ 10 milhões (cerca de R$ 22 milhões) para a digitalização de dois milhões de volumes da FBN, sem nenhum centavo de custo para a instituição. - A proposta é tentadora, mas tememos que ela seja mal interpretada aqui no Brasil, que se pense que poderá haver um monopólio mundial de uma empresa privada sobre o conhecimento - diz Sodré, também professor da Escola de Comunicação da UFRJ.

Ele lida com o assunto com tanto cuidado que parece preferir não pensar nele sozinho. Tanto que vai discuti-lo com colegas da França e da Alemanha (que têm, segundo ele, a mesma preocupação) no Colóquio Internacional sobre Bibliotecas Digitais, que a FBN promove em 3 e 4 de abril, no Consulado da França, no Rio.

O presidente da Biblioteca Nacional da França, Jean-Noël Jeanneney, que participará do colóquio no Rio, já manifestou publicamente inquietação com a possibilidade de criação de monopólio. A dele é uma das vozes que se levantaram para sugerir perigos da empreitada se não houver uma reflexão sobre a noção de patrimônio cultural. A preocupação também virá ao Brasil no colóquio com a diretora da Biblioteca Nacional da Alemanha, Elisabeth Niggemann.

No primeiro dia do encontro, será lançado o ensaio de Jeanneney, Quando Google desafia a Europa, título que deixa bem clara a posição dos franceses sobre a proposta da empresa californiana, cujos diretores estiveram no Brasil recentemente para fazer a proposta à FBN.

Sodré, que lembra que a FBN já tem um programa de digitalização e que já passou para o formato digital mil livros de seu acervo diz que sua decisão depende ainda de conversações com o Ministério da Cultura:

- Tudo isso torna a colóquio muito importante. O pessoal da Google está nos pressionando para uma decisão, mas vamos discutir, em alto nível, durante o encontro, assuntos como mecanismos profissionais, econômicos e culturais, qual a política de digitalização a ser adotada, quais os fundamentos, critérios de seleção de livros, objetivos e parcerias. Temos de estar atentos também para o impacto político, cultural e econômico da constituição de um monopólio da pesquisa na internet - afirma.