Título: O terceiro homem
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 20/03/2006, País, p. A2

Desde a eleição de Fernando Henrique Cardoso, grupos diferentes, internos e externos ao PMDB, têm impedido a chegada de um candidato seu à Presidência da República. O partido que dispõe do maior número de militantes e eleitores, em todos os estados do Brasil, e com diretórios em praticamente todos os municípios, vê-se tolhido em pleitear a chefia do Estado nacional. Há, no PMDB, dois partidos. Um deles é constituído de suas bases históricas, formadas no exemplo da luta contra a ditadura, dirigida por homens de sólido caráter político e com um projeto para o Brasil. O outro está em parcela de sua representação parlamentar e em sua direção nacional, nem sempre fiel às esperanças e convicções dos militantes.

No maniqueísmo imposto pelo arbítrio do poder militar, o MDB não era exatamente partido, mas movimento, o Movimento Democrático Brasileiro. Cumpria-lhe, esperava o governo militar, coonestar o regime, ao representar oposição consentida. Para assegurar apoio aberto ao regime, criaram a Aliança Renovadora Nacional, de sigla expressiva: Arena.

Dentro dos limites, confrontando-se com a brutalidade policial e política, o MDB exerceu a resistência até onde pôde. Teve homens excepcionais expulsos do Parlamento, com mandatos cassados; outros, como Rubem Paiva, foram simplesmente trucidados, sem falar nos que não tiveram outro caminho, senão o do exílio. Menos de uma década depois, nas eleições parlamentares de 1974, o MDB se tornou o partido majoritário no Congresso, e a resposta do governo foi a criação dos senadores biônicos, a fim de manter falsa maioria no Congresso. Tratou-se de estupro contra a federação e o Estado republicano.

O MDB começou a perder quadros importantes a partir da liberdade de organização partidária. Sendo, pela sua natureza e circunstâncias, um partido de centro-democrático, era normal que perdesse integrantes destacados da Resistência que, com projetos mais avançados, não aceitavam sua posição moderada - não obstante a famosa ala autêntica, em que se destacavam homens de grande bravura e lucidez política. Foi assim que a esquerda do PMDB se viu enfraquecida com o surgimento do PDT de Leonel Brizola e, na corajosa abertura do governo Sarney, privou-se dos comunistas e socialistas que lhe davam sustentação ideológica e preferiram construir os próprios partidos. Mesmo assim, o PMDB, ainda que perdesse quadros, e não conseguisse eleger Ulysses contra Collor, nem Quércia contra Fernando Henrique, diante dos fantásticos recursos de campanha dos adversários, manteve-se como o grande partido nacional. A intenção de esvaziar o partido de uns e a hesitação de outros de seus dirigentes não conseguiram destruir o partido. "O PMDB cresce sob os golpes do martírio", disse Tancredo, na convenção nacional que o indicou candidato ao Colégio Eleitoral.

Os acordos políticos deram ao PMDB dupla personalidade. Sua cúpula, com raras exceções, foi contaminada de oportunismo, e prefere - como dizia o seu ex-presidente Paes de Andrade - as migalhas do poder, em lugar de conquistá-lo. Esse oportunismo tem corrompido alguns líderes regionais - mas a imensa maioria dos simpatizantes e militantes de base buscam, com angústia, líder nacional que conduza o seu entusiasmo e reconheça seus sacrifícios.

É com essa esperança que foram ontem às prévias. Pouco importa se a Justiça as confirmará ou não. Será muito difícil que se contraponham à vontade dos militantes e comprem, como compraram antes, delegados convencionais, a fim de assegurar a reeleição de Fernando Henrique, impedindo, como impediram a candidatura própria que poderia ter sido a de Itamar Franco, em 1998. Itamar deixara o governo em 1994 com mais de 80% de avaliação positiva de governo.

Mas não são apenas os militantes do PMDB que desejam opção alternativa entre o PT e o PSDB. É a nação inteira que, cansada de 11 anos de neoliberalismo paulista, anseia por um terceiro homem, que pense no Brasil inteiro, e não só no grande Estado de São Paulo e seus interesses. Com todos os predicados de São Paulo, o Brasil é bem maior.