Título: Habemos ramphastus
Autor: Ubiratan Iorio
Fonte: Jornal do Brasil, 20/03/2006, Outras Opiniões, p. A11

Enfim, na semana passada, depois de meses de uma indecisão que contribuiu para aumentar a popularidade do presidente - aquele que nada viu, nada sabia e nada sabe até hoje do nefando esquema do mensalão - a fumaça branca ascendeu do ninho sistino dos ranfastídeos, nome científico dos tucanos, aves que, no reino animal, habitam a Américas do Sul e Central e, no da política brasileira, designam a social-democracia e costumam aninhar-se em São Paulo, embora alguns exemplares significativos e competentes sejam encontrados em outras unidades de nossa simbólica Federação, como o carioca Eduardo Paes, o amazonense ''carioca'' Arthur Virgílio Netto, o mineiríssimo ''carioca'' Aécio Neves e o cearense Tasso Jereissati. Penso que um economista, no estrito exercício da profissão - que é o meu caso -, deve evitar filiar-se a qualquer partido político, para que tenha independência e liberdade de dizer o que realmente pensa, embora respeite os colegas filiados a qualquer agremiação política, desde que com conteúdo programático. Este posicionamento fica enormemente facilitado no Brasil, porque me considero - sabendo que é preciso coragem para afirmar isto em um país contaminado pelo keynesianismo pooddle e pela esquerdopatia pitbull -, um economista liberal, algo como um ''neto'' de Eugenio Gudin e um ''filho'' de Roberto Campos (amigo e conselheiro que prefaciou meu terceiro livro), mesmo longe de possuir o talento desses brilhantes ''ancestrais''. Como é mais fácil encontrar nestas plagas um mico-leão-dourado do que um economista efetivamente liberal é evidente que não me enquadro em nenhum de nossos partidos, sacos de pardos gatos. Tenho, portanto, independência - mesmo que forçada por essas circunstâncias - para afirmar que a escolha de Alckmin foi, dentro do quadro político atual, a melhor dentre as possíveis, sob os pontos de vista tucano e do país.

Muitas águas ainda vão rolar depois deste março em que os bandoleiros do MST teimam em desrespeitar a Constituição e em que o Exército mostrou, ao recuperar o armamento roubado, que a população pode dedicar-lhe respeito e confiança. Acredito que o governador paulista deverá subir nas pesquisas de intenções de votos e, assim que a campanha começar para valer, poderá derrotar o PT, até mesmo no primeiro turno.

Otimismo? Comedido. Esperança? Talvez. Em Alckmin vejo várias virtudes, boa dose de esperança e poucas interrogações. Entre as primeiras, a principal é que se trata de um homem marcadamente de bem, católico de boa cepa e, portanto, podemos esperar que, em seu governo, a corrupção não terá espaço e que propostas que afrontam a dignidade da pessoa humana, como a da aprovação do aborto, não encontrarão campo para viçar. A segunda de suas virtudes é o equilíbrio psicológico e emocional, pré-requisitos para o cargo de tamanha responsabilidade a que vai concorrer. O terceiro ponto positivo é que, apesar de ter sido apelidado de ''picolé de chuchu'' pelo jornalista José Simão, trata-se de uma cucurbitácea bem condimentada, porque, nas horas certas, tem mostrado firmeza e obstinação, além de bom humor. O quarto é que é uma ''cara nova'' em nível nacional, o que é bom. O quinto, sua experiência como administrador e seu preparo, exigências que escapam inteiramente ao atual presidente. Entre as esperanças, listo que dele espero responsabilidade fiscal (com o fim do inchaço da máquina promovido pelo governo do PT), responsabilidade monetária, redução da carga tributária, continuidade nas reformas do Estado (interrompidas e revertidas pelos petistas), respeito à democracia e reversão do terceiro mundismo da atual política externa. Ao invés do coro infantil do soy loco por ti América, dele se espera um soy loco por ti mundo... Espero, ainda, que, em seu governo, Chávez, Fidel, Morales e outros loucos patéticos do gênero deixem de ser tratados como heróis.

A interrogação refere-se à política econômica e, em especial, à manutenção do sistema de metas de inflação, da flexibilidade cambial e da autonomia do Banco Central. Mas, como tudo isso foi instituído por Pedro Malan e Armínio Fraga, em um governo tucano, creio que não há muito a temer. Com cautela, vamos aguardar e cobrar um programa claro em todos esses pontos.