Título: O renascimento de Fidel
Autor: Joseph Contreras
Fonte: Jornal do Brasil, 20/03/2006, Internacional, p. A14
Quem duvidava da importância do simbolismo para a esquerda na América Latina teve provas recentes na Venezuela, quando o presidente Hugo Chávez forçou mudanças na bandeira do país. A nova flâmula terá um facão, arco e flecha, frutas e flores tropicais. Oito estrelas brilharão na bandeira, uma a mais como alusão a Simon Bolívar, herói da independência do país, no século 19. A maior mudança é o cavalo branco, que antes galopava para a direita, ''em direção ao passado'', como disse Chávez.
Agora, claro, ele avança para a esquerda, como a maioria da região, do Brasil à Bolívia. E quem tem se beneficiado mais com isso é o sobrevivente Fidel Castro. Há poucos anos, o líder cubano, que completa 80 anos neste inverno, parecia fadado a sumir no palco latino-americano. Em 2002, Chávez era seu único aliado no Sul e seus vizinhos o viam como um dinossauro stalinista em queda.
Desde então, Castro experimentou o renascimento. Chávez e o novo presidente boliviano, Evo Morales, o exaltam em discursos e mesmo líderes mais moderados, como o argentino Néstor Kirchner e Luiz Inácio Lula da Silva, abraçam Fidel em frente às câmeras.
- O mapa está mudando - exultou Castro depois da vitória de Morales, em dezembro.
Mais importante é saber como muda. A resposta pode explicar a força da esquerda latino-americana e de Castro.
A volta efetiva de Fidel começou um ano atrás, quando a União Européia, pelo presidente esquerdista Jose Luis Rodriguez Zapatero, levantou as sanções diplomáticas que impôs em 2003 a Cuba como protesto à perseguição de dissidentes. Castro ganhou mais pontos neste ano, num encontro da Comunidade do Caribe. Os líderes emitiram pedido aos EUA para extradição de um exilado acusado de planejar um ataque a um avião da Cubana, em 1976.
Mesmo líderes próximos a George Bush, como o colombiano Alvaro Uribe, vêem benefícios de uma relação próxima com Cuba. Em 2005, ele aceitou a oferta de Castro para reabrir conversas com uma milícia marxista do país, em Havana.
O líder cubano pode agradecer a Washington por grande parte da reputação.
- Na última década prestamos menos atenção à América Latina que devíamos. Castro se beneficiou disso - diz Jaime Suchlicki, do Instituto de Estudos Cubanos e Americano-cubanos da Universidade de Miami.
A tática de embate da administração Bush nas relações externas inspirou ódio na região - e respeito pelo único líder que sempre enfrentou os EUA.
- De certa forma, os americanos cooperaram com a carreira política de Morales. Os EUA parecem incapazes de entender as mudanças na América Latina - diz o analista político boliviano Carlos Toranzo.
Mas o retorno de Castro tem ironia. Nos anos 60, Havana forneceu armas a milícias comunistas na Colômbia, Venezuela e Bolívia para desestabilizar regimes. Nos anos 70, Castro apoiou sandinistas na Nicarágua e em 80 ajudou a unir cinco guerrilhas de El Salvador, para derrubar um governo militar apoiado pelos EUA. Mas hoje, os líderes de esquerda latino-americanos chegam ao poder pelas urnas, e não pelas balas.
E a muitos interessa celebrar Castro. No cenário atual, uma foto com o patriarca da América Latina pode dar credibilidade junto ao eleitorado radical. Mas os gestos ficaram mais simples não pela força de Castro, mas pela fraqueza.
- Os governantes recém-eleitos não vêem Cuba como um adversário - diz William LeoGrande, que chefia a Escola de Assuntos Públicos na Universidade Americana, em Washington.
Apenas os sandinistas tentaram copiar na Nicarágua o modelo socialista de Cuba, com resultados razoáveis. Chávez não mostra vontade de tomar bens de empresas de energia que operam na Venezuela e Morales voltou atrás nas promessas de nacionalizar petróleo e gás.
- Esses novos presidentes gostam de reverenciar Fidel, mas não são produtos dele. Suas ascensões são baseadas em fatores domésticos. Castro é um motor secundário - conclui o boliviano Eduardo Gamarra, diretor do Centro de Caribe e América Latina da Universidade Internacional da Flórida.