Título: Enfrentamos o vírus Selic ou dólar chegará a R$ 1,80
Autor: José Ronoel Piccin
Fonte: Jornal do Brasil, 20/03/2006, Economia & Negócios, p. A18

Nós já estamos, com certeza, rumando ao dólar de R$ 2. Outra certeza é que centenas de empresas exportadoras estão e estarão abandonando o mercado externo, tentando compensar suas perdas no mercado interno. Inúmeros setores como têxtil, de calçados, móveis e outros lutaram por anos a fio para conseguir a confiança de clientes no mercado externo e agora são ¿obrigados¿ a abandoná-lo por terem rentabilidade negativa, prejuízos, ao trocar seus dólares, hoje por R$ 2,11, amanhã, quando receberá R$ 2 e provavelmente R$ 1,90 ou R$ 1,80 em dois meses. Já aparece nas estatísticas oficiais que o número de empresas exportadoras ativas caiu de 18.000 para 16.000; o saldo acumulado da balança comercial dos últimos 12 meses também apresenta forte queda. Cresce o desemprego advindo desses setores que param de exportar. Isto se traduz em um desequilíbrio muito prejudicial à economia brasileira.

As reportagens na imprensa nos últimos dias demonstram que empresas gigantes cancelam investimentos programados de milhões de dólares, devido principalmente à incerteza com a evolução do câmbio. Outros gigantes suspenderam as atividades de dezenas de fábricas, preferindo transferi-las para outros lugares, como a Argentina, por apresentarem melhores condições de competitividade. Algumas continuam exportando matéria-prima em bruto como grãos e optam em cancelar as que passaram por processos industrializados, o que nos permite aduzir que continuaremos a ser exportadores de matérias-primas, perdendo terreno na capacidade industrial, um quadro provavelmente irreversível.

Muitos lamentam esta situação e exprimem o sentimento de que ainda não houve uma proposta para estancar a valorização do real. Mas isto não é verdade. Infelizmente já há muito tempo conhece-se a solução que nosso governo teimosamente se recusa a adotar. Doença ruim se soluciona com remédio amargo e, para tanto, necessitamos de um choque na economia. Seria a combinação de: (a) redução já da taxa Selic, não em 1 ou 2pontos comentado por aí, mas pelo menos 4 pontos percentuais, quem sabe em duas etapas seguidas, (b) drástica redução nos gastos públicos (custeio) e (c) desoneração das exportações em determinados setores.

O esforço feito nos últimos tempos para conter a inflação já surtiu seu efeito e indica claramente que a queda da taxa Selic já devia ter sido reduzida muito mais rapidamente. Os preços administrados foram suficientemente aumentados no ano passado e não ameaçam mais a inflação. Então, demoramos na queda da Selic. Com a atual estrondosa liquidez mundial, os mercados procuram as melhores rentabilidades que estão exatamente aqui no nosso país e para cá aportam valores enormes de dólares, na maioria, capitais especulativos; e o real cada vez mais se valoriza artificialmente, ultrapassando os limites da racionalidade.

Uma idéia do disparate do valor do real: as empresas mencionadas acima, que fecharam suas fábricas, dizem que retornam às atividades quando o dólar voltar a R$ 2,60. Vejam só! Doença holandesa? Sim, estamos vivendo uma variante inédita da doença holandesa. Em vez do vírus mercadoria (petróleo e gás), temos o vírus Selic.

A segunda etapa do choque na economia seria o corte drástico, corajoso e instantâneo dos gastos públicos em custeio. O superávit primário continuaria, porém seria destinado a investimentos em infra-estrutura, usinas elétricas (o apagão vem aí?), portos, estradas, PPPs. Não seria mais necessário para cobrir os déficits de juros da dívida pública, pois a taxa Selic já teria caído. Entretanto, para conter os gastos públicos em custeio, é necessária vontade política e só os grandes estadistas têm a coragem para empreendê-la.

Foi em muito boa hora a recentíssima decisão do governo em isentar os investimentos estrangeiros em títulos públicos, pois colocou o Banco Central em uma ¿sinuca de bico¿. A economia já está desequilibrada e, com a decisão, se não houver uma queda brusca da Selic, aí é que vamos ver o que é desequilíbrio, teremos R$ 1,80 por dólar com certeza. Por sorte, o BC já está há algum tempo em posição confortável para reduzir os juros com os índices de inflação dentro das metas, talvez até abaixo. E se os integrantes do Copom não cederem, pode haver distorções ainda maiores na economia e na produção nacional, levando a uma ¿desindustrialização¿.

O último ponto seriam reduções nas alíquotas do imposto de importação pelo menos para os setores com menor grau de competição (evitando-se a enxurrada de produtos chineses ou indianos). Aumentam-se as importações e, conseqüentemente, a saída de dólares, amenizando o fluxo de caixa que tem derrubado a moeda.

Enfim, já estamos a caminho dos R$ 2,00 por dólar, mas podemos fazer parar por aí e começar a reversão para chegarmos ao exato valor do real.