Título: Acompanhamento previne violência contra mulheres
Autor: Lígia Maria
Fonte: Jornal do Brasil, 20/03/2006, Brasília, p. D3

A promotoria do Juizado Especial Criminal de Samambaia apostou na inovação ao apurar crimes de violência doméstica envolvendo mulheres. O trabalho consiste na avaliação aprofundada dos inquéritos e no acompanhamento das vítimas durante seis meses, período que elas legalmente têm para decidir se darão continuidade ao procedimento jurídico ou se o suspenderão. - A iniciativa da promotoria é importante e evita que o tapa de hoje transforme-se no homicídio de amanhã - avalia a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria de Especial de Políticas para Mulheres.

O promotor Fausto Lima, do Juizado Especial Criminal de Samambaia, tinha a mesma opinião quando resolveu mudar o procedimento adotado nos casos de violência doméstica, há três anos. Em vez de arquivar processos com base em decisões tomadas pela da vítima, ele decidiu chamar os casais para conversar.

- Vi casos de reiterados espancamentos, que chegaram a levar mulheres a morte, ocasionados pelo encerramento do processo sem apuração aprofundada e criteriosa - declara o promotor.

O encerramento dos processos sem investigação ou análise prévia é procedimento comum nos juizados especiais do País, explica o promotor. Isso ocorre porque a legislação penal classifica situações de violência doméstica como crime de menor potencial ofensivo, para o qual a apuração depende da vontade da vítima. Mas isso não impediu o trabalho da promotoria.

- Nosso entendimento é que a situação da mulher é complexa e portanto exige sensibilidade e apuração antes de ser encerrado em definitivo - diz Fausto.

Segundo Fausto, os Juizados Especiais Criminais poderiam ser chamados de juizados da violência doméstica, uma vez que 80% dos casos atendidos estão relacionados ao problema.

- A postura de arquivar o processo leva ao agravamento da situação. É preciso entender que quando uma mulher chega a fazer a denúncia é porque ela já está no limite e que, muitas vezes, vive numa situação de ameaça, medo, opressão e violência - explica.

Democracia - Segundo a ministra Nilcéa Freire, a violência doméstica no País apresenta uma situação grave e das mais democráticas, uma vez que atinge 30% das mulheres brasileiras, independentemente da condição sócio-econômica. O percentual, auferido pelo Instituto Patrícia Galvão, retratou a realidade de dois locais distintos, São Paulo e na Zona da Mata de Pernambuco, e revela que os motivos de disputas dentro dos lares têm características especificas e que vão além das brigas entre homens e mulheres.

- Quando há disputa pelo poder e subjugação tem-se uma discussão de gênero, que envolve debate cultural e reflexão, e não mais uma briga que pode ser resolvida entre quatro paredes.

Raiz do Conflito - No entendimento do promotor, o Poder Judiciário e o Ministério Público têm atuado pouco e muito mal no combate da violência doméstica.

- Não dá para arquivar um processo sem apuração - diz ele.

A metodologia do promotor é avaliar os inquéritos e procurar por aspectos que apontem maior gravidade. Indícios da presença de crianças, de envolvimento com álcool ou drogas e ainda espacamentos violentos e reincidentes são algumas pistas buscadas por ele.

Identificada a situação de risco, as partes são chamadas pela promotoria, ainda que a mulher tenha decidido arquivar o processo.

- Por vezes, a mulher é coagida a encerrar o inquérito - explica Fausto.

Após a conversa, o casal é encaminhado para uma equipe multidiciplinar, da qual fazem parte psicólogos, médicos e assistentes sociais. O novo procedimento tem mudado a realidade nos Juizados Especiais.

- A metodologia tem sido tão bem sucedida que não há um único caso de reincidência desde o início desse trabalho - explica o promotor.

Situação delicada - Deborah Menezes foi delegada da Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) por dez anos e conta que as mulheres, quando chegam a denunciar os maridos, estão muitíssimo amedrontadas e psicologicamente assustadas. Por isso a ex-delegada defende que apenas o trabalho que inclua acolhimento e amor pode mudar a ajudar a mulher no momento da denúncia, o que, certamente, a deixa mais segura. Além disso, ela acredita que situação de violência e medo mudará .

- O trabalho nos moldes da promotoria é o caminho para a mudança de mentalidade dos homens e da cultura de discriminação - opina Deborah Menezes.