Título: CPE: 'Como Perder uma Eleição'
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 21/03/2006, Internacional, p. A7

Sob intensas críticas e protestos pela decisão de manter promulgada a polêmica Lei do Contrato de Primeiro Emprego (CPE), o primeiro ministro da França, Dominique de Villepin, é alvo de paródia dentro do próprio partido, Union pour un Mouvement Populaire (UMP). Críticos rebatizaram o CPE de ''Comment Perdre une Election'' ou ''Como Perder uma Eleição'', numa amostra de que o premier está cada vez mais isolado, apesar do apoio do presidente, Jacques Chirac. Ontem, os grupos contrários à nova legislação - promotores de manifestações que reuniram no fim de semana mais de 1,5 milhão de pessoas nas ruas francesas - convocaram para o dia 28 uma greve geral. O objetivo é não dar trégua na pressão sobre o governo, até que desista de fazer vigorar a lei em abril.

- Será uma jornada de manifestações, greves e interrupções de trabalho - afirmou René Valadon, secretário da Força Operária.

A luta pela estabilidade no emprego não diz respeito só aos jovens menores de 26 anos - aqueles que serão contratados pelas empresas sob o CPE, sujeitos a demissão a qualquer momento, sem justificativa. As manifestações que tomaram a França nos últimos dias expressam a preocupação da população com a perda das conquistas trabalhistas: a primeira delas é justamente o fim do programa de primeiro emprego garantido, assim que o profissional terminasse a faculdade.

- O CPE é o passo inicial do governo para o desmantelamento do Estado de Bem-Estar Social, um modelo que está em crise na Europa - explicou ao JB Argemiro Procópio, analista de política internacional da Universidade de Brasília.

O especialista lembra que os empregados franceses têm hoje um conjunto de benefícios cuja manutenção é muito cara para o Estado, como seguro de saúde, aposentadoria, compra de remédios a baixo custo, seguro desemprego vitalício, auxílio moradia e até para calefação no inverno. A Alemanha é um país que já começou a cortar benefícios similares. O temor dos franceses é que o mesmo vá acontecer na terra de Charles de Gaulle, com o precedente da retirada da estabilidade dos jovens.

- As manifestações são uma forma de barganha eficiente, num momento em que o mercado de trabalho está inundado de imigrantes que aceitam trabalhar por salários menores - diz Procópio. - Ao mesmo tempo, mão-de-obra qualificada como de professores, psicólogos e pedagogos também não encontram mais vagas numa sociedade de baixo crescimento demográfico.

Villepin ainda se apresenta como o principal candidato do UMP para o pleito presidencial do ano que vem. Mas nos jornais parisienses, analistas afirmam que esta ambição política está prestes a naufragar, e a relutância do governo em defender o CPE vai prejudicar, ainda, a campanha do atual ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, ou a de qualquer outro candidato da direita. Pode ser a chance de a esquerda, com promessas de recuperação do Estado de Bem-Estar Social, voltar ao poder.

''Em 2007, devemos, na esquerda ou na direita, ser rigorosos na elaboração de nossos projetos'', escreveu no jornal Libération François Fillon, conselheiro do UMP. ''Se os cidadãos têm a segurança de que o programa de governo não não será reescrito, eles o respeitarão''.

Num indício de que teme o mesmo destino do primeiro-ministro Alain Juppe, derrotado nas urnas dois anos depois de enfrentar maciços protestos em 1995, Villepin reuniu-se ontem com presidentes de empresas e o ministro da Educação, Gilles de Robien. A pauta era destacar a necessidade da criação de emprego para os jovens - o principal objetivo da CPE, conforme sustenta o governo.

- O premier está com espírito de diálogo. Mas não vai desistir - contou o empresário Bruno van Ryb, da Middlenext.

Se o governo não cede, os manifestantes também não. Foi convocada mais uma manifestação para hoje. Segundo uma pesquisa do instituto BVA, os estudantes e sindicalistas contam com o apoio de 60% dos franceses, que também querem que o CPE seja invalidado. Em outra sondagem, do Libération, este percentual é de 35%. Para 38% dos entrevistados, a lei não precisa ser retirada, mas deve ser ''modificada''.