Título: A caminho da revolução digital
Autor: João Bernardo Caldeira
Fonte: Jornal do Brasil, 21/03/2006, Economia & Negócios, p. A20

Diziam que o CD ia acabar e que logo no início do século 21 já estaria tudo dominado pelo mercado digital. De passagem pelo Rio, John Kennedy, presidente da International Federation of the Phonographic Industry (IFPI), a organização mundial das gravadoras, reconhece que as previsões estavam equivocadas. Uma meta mais sensata aponta que a venda digital de música (que inclui downloads em sites legalizados e por telefonia móvel) responderá por 25% do mercado em 2010. O crescimento é lento, mas suficiente para dar esperanças ao setor fonográfico, mergulhado em crise.

- Posso dizer que daqui a dez anos não serão mais fabricados CDs. Mas quem sabe outra pessoa terá que dizer por que eu estava errado - prevê com bom humor o executivo inglês, de 53 anos.

Segundo relatório divulgado pela IFPI, o comércio digital responde por apenas 6% do faturamento das majors. Em 2006, o número deve subir para 9%, prevê Kennedy. No ano passado, foram registrados 420 milhões de downloads em sites legalizados, contra 156 milhões no anterior. Otimista, o executivo acredita que o número possa chegar a 1 bilhão em 2006. O que não significa dizer que a venda de CDs e DVDs perca importância.

- Observamos que as pessoas levam muito tempo para modificar seus hábitos. Portanto, o mercado físico não está acabando - avalia.

O balanço oficial de 2005 ainda não foi divulgado pela IFPI. Mas Kennedy adianta sua previsão:

- O mercado caiu 2% em faturamento em relação a 2004, incluindo nesse número a venda física e digital. Esperamos reverter essa tendência em 2006, sobretudo por conta das vendas digitais - aposta ele.

Depois de um período no qual as gravadoras tentaram recuperar as vendas de CDs, o discurso do executivo aponta mudanças:

- Não acho que voltaremos um dia a vender a quantidade de CDs que vendíamos no passado.

No Brasil, uma reviravolta está prevista. Paulo Rosa, diretor geral da Associação Brasileira dos Produtores de Discos, subordinada à IFPI, informa que duas lojas de música online serão abertas, conforme corriam boatos nos bastidores. Terra e UOL entrarão no negócio onde hoje atua apenas o Imúsica, que não alcançou resultado expressivo (menos de 1% das vendas de música no Brasil foram feitas por meio do site).

Já existem cerca de 80 milhões de linhas de celular no país, mas este potencial só poderá ser explorado quando os aparelhos se modernizarem, avalia Paulo Rosa:

- A maioria destes aparelhos não permite downloads de ring tones, porque a tecnologia é obsoleta. Veremos nos próximos anos uma grande mudança quando os preços dos celulares mais avançados caírem, atraindo mais consumidores.

Kennedy e Rosa concordam que é preciso oferecer mais músicas na rede para atrair o público. Hoje, 2 milhões de faixas podem ser baixadas nos sites existentes no exterior, número que dobrou em um ano mas ainda está muito aquém do repertório disponível no mundo.

- As pessoas sempre vão reclamar que não conseguiram achar uma determinada faixa. Mas tenho conversado com as companhias para melhorar ainda mais esse patamar. E não basta ter apenas o repertório internacional, porque em países como o Brasil o consumo interno é voltado para os artistas locais - diz Kennedy.

A função de Kennedy mundo afora é conscientizar seus associados, governos e produtores da importância do combate da pirataria física e online, do desenvolvimento do comércio digital e da necessidade da música receber incentivos fiscais. Apesar de seu papel institucional, John Kennedy não adota o discurso tradicional dos presidentes de gravadora que preferem ignorar a existência do jabá (o pagamento de propina para a execução de uma música). Em 2005, nos Estados Unidos, a Sony-BMG foi condenada a pagar US$ 10 milhões, e a Warner US$ 5 milhões, por conta da prática irregular.

- Em muitos países o jabá se tornou comum. Mas é um câncer que traz danos à indústria. Seria ótimo para a sociedade se os governos acabassem com o jabá. Os discos errados estão tocando na rádio em vez dos melhores - defende.

O que não quer dizer que ele não livre a pele das gravadoras, normalmente acusadas de terem demorado a perceber com velocidade as novas oportunidades surgidas com a internet:

- Em todo o mundo as pessoas costumam me dizer que as gravadoras cometeram grandes erros quando a internet se tornou um novo negócio. O que ninguém nunca me diz é o que elas deveriam ter feito para evitar os prejuízos.