Título: Educar para a cidadania ou para a ética
Autor: Luiz Affonso Romano
Fonte: Jornal do Brasil, 21/03/2006, Outras Opiniões, p. A11

No Brasil, está difícil se identificar a maior crise. Difícil dizer. Mas, talvez, todas as crises tenham origem na educação. Agora mesmo, com a globalização, falam os especialistas repetidas vezes que o trabalhador brasileiro tem poucos anos de estudos. O pior é que não mentem. Dizem a verdade. Implicitamente condenam os trabalhadores por terem dificuldades de se adaptarem às novas tecnologias, por não serem aplicados nos estudos. E de forma velada apontam a origem do desemprego.

Realmente falta educação, mas em todos os níveis. Até os mais preparados, com doutorados nas melhores universidades do mundo, muitas vezes custeados pelo poder público, falham e não se mostram preparados para as novas exigências da globalização. Mas a educação que aqui se fala não é apenas aquela adquirida nos bancos escolares. Ela é abrangente e possui, pelo menos, mais um significado. Digamos que sejam boas maneiras, princípios, comprometimento ético. E um país que desperdiça, que mata tanto no trânsito, que não tem ética, que não respeita as leis e que deixa seus velhos e crianças ao abandono é mal-educado. E se um país é mal-educado não tem cidadania.

Vem acontecendo no Brasil uma distorção do que vem a ser educação. Ela representa apenas uma transmissão de conhecimentos; preferencialmente os conhecimentos técnicos. Permitiu-se o surgimento de um grande círculo vicioso. Os professores ensinam mal porque os alunos são fracos e os alunos são fracos porque os professores ensinam mal. Verbas são desviadas, professores recebem salários incompatíveis com as suas necessidades básicas

Educar é formar e informar. Não adianta reclamar de governantes, de falta de policiamento, de cidades sujas, trânsito caótico, porque a queixa real é contra maus cidadãos. E bons cidadãos somente se consegue com a valorização coletiva do brasileiro e não apenas de uns poucos privilegiados que podem pagar bons colégios. Aliás os governantes deveriam investir na construção de escolas públicas, criando mais e melhores educandários, nos quais as crianças seriam assistidas por bons professores e boa alimentação Assim, as novas gerações dariam mais valor a terra em que nasceram e não cantariam o hino nacional apenas quando a seleção de futebol se perfilar antes dos jogos na Alemanha. Cantariam com orgulho em qualquer ocasião sem medo de pagar mico. Igual respeito seria devotado à bandeira. Afinal, somente se respeita aquilo que se ama e só amamos aquilo que admiramos.

O curioso em todo esse problema é que nunca um político veio a público para dizer que é contra a educação. Nunca manifestam esse desagrado. Pelo contrário, afirma que a educação sempre foi e será a sua meta prioritária. E esse sentimento, esse desejo de dar educação ao povo, se manifesta com mais freqüência durante as campanhas eleitorais. Qualquer mão espalmada, em palanque por um candidato, representa as suas cinco metas quando chegar ao poder. Com certeza um dos dedos simboliza a educação.

Por sua vez, a sociedade reclama que os governantes não investem em educação. A queixa é freqüente, principalmente dos menos afortunados que perdem noites de sono nas filas diante das portas das escolas públicas para obter uma vaga. Tamanho absurdo se repete a cada ano, que, por se tornar rotina, assim como a corrupção, passou a ser prática aceita, consentida, e até mesmo ''democrática''. Aceita-se o descalabro pacificamente, assim como tantos outros.

A educação opera uma revolução silenciosa que será ruidosa no futuro. Sabemos que amanhã, com mais conhecimentos as crianças de hoje adultos no futuro poderão mudar a face perversa do Brasil. Conquistar os direitos negados aos seus pais. As pesquisas eleitorais costumam aferir a tendência dos votos por escolaridade. Quanto maior, mais questionadora se coloca. Como os mais instruídos formam a minoria, vence a maioria de baixa escolaridade, como mostram os resultados em algumas regiões mais atrasadas.

A escola tem de ter como finalidade primeira formar bons cidadãos. Se os brasileiros forem bons cidadãos, teremos bons garis, bons motoristas, bons médicos, bons atletas, bons advogados, bons militares, bons cientistas e, certamente, bons políticos.