Título: Itália acusa URSS por ataque ao papa
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Fonte: Jornal do Brasil, 03/03/2006, Internacional, p. A14

Parlamentares italianos concluíram que dirigentes da antiga União Soviética estavam por trás do atentado contra o papa João Paulo II, baleado na Praça de São Pedro em 1981. O autor dos tiros, o turco Mehmet Ali Agca, sempre disse ter agido sozinho, mas a comissão - o primeiro organismo oficial a fazer tal acusação - confirmou que búlgaros a serviço da cúpula do poder em Moscou efetivamente ajudaram Agca na cena do crime.

- O ataque foi planejado e ordenado pelas autoridades soviéticas, aconselhadas pelo secretário-geral do Partido Comunista russo, Leonid Brejnev - acusou, textualmente, o presidente da comissão, o senador Paolo Guzzanti.

O relatório explica que João Paulo II era considerado uma ameaça ao bloco soviético em função de seu apoio ao movimento Solidariedade polonês, o primeiro sindicato livre na então Europa comunista. Além disso, a Polônia era a principal base militar do Pacto de Varsóvia - aliança militar dos países comunistas durante a Guerra Fria - com grande concentração de tropas e armamentos.

''A comissão acredita, além de qualquer dúvida razoável, que os líderes da União Soviética tomaram a iniciativa de eliminar o papa Karol Wojtyla e comunicaram a decisão ao serviço secreto militar (...) para cometer um crime de gravidade única, sem paralelo na história moderna'', afirma uma cópia do documento. O último chefe do KGB, Vladimir Kriuchkov, criticou a divulgação da notícia.

- Estas informações são uma falácia, mais ainda, uma provocação, um absurdo e um contra-senso - disse Kriuchkov.

A principal evidência dos parlamentares da Comissão Mitrokhin - batizada em homenagem a Vasili, o arquivista que guardou os arquivos secretos da antiga KGB, o serviço secreto russo - é fotográfica. Os parlamentares confirmaram que o búlgaro Sergei Antonov, absolvido da acusação, mentiu ao tribunal. Antonov - chefe da companhia aérea búlgara em Roma - alegou inocência dizendo que estava em seu escritório na hora do ataque. Análises nas fotos da época deixariam claro que era ele o homem em fuga flagrado na Praça de São Pedro. O advogado do acusado rejeita a tese, dizendo tratar-se de um caso de ''erro de identificação''.

Giuseppe Consolo garante que o sujeito da fotografia era, na verdade, um turista americano de origem húngara. Argumentou, ainda, que a evidência não foi aceita pelo tribunal.

- Como Antonov está vivo e muito bem em seu país, a comissão deveria ter feito a comparação física, não através de fotos - criticou.

Para o senador Paolo Guzzanti, o argumento caducou. As imagens da época foram submetidas a análises dentro das mais modernas tecnologias de computação.

- Antes não havia como tirar as dúvidas, mas depois desse trabalho, podemos afirmam que o grau de certeza é de 100% - reagiu.

Em Sófia, o porta-voz Dimiter Tsanchev lembrou que o caso está encerrado desde 1986.

- O papa João Paulo II, quando esteve aqui em 2000, disse jamais ter acreditado na existência dessa ligação com o crime - disse.

A comissão também recebeu a ajuda do juiz francês antiterrorismo Jean-Luis Bruguière. A partir da investigação em torno da prisão do terrorista Ilich Ramirez Sanchez, o Chacal, Bruguiére revelou em outubro de 2004 que estava convencido de que o atentado cometido pelo turco Ali Agca havia sido organizado pelos serviços de Inteligência do Exército soviético. Os búlgaros foram usados para ''acobertar'' os verdadeiros autores intelectuais. A Stasi, polícia secreta da antiga Alemanha Oriental, ficou responsável pelo trabalho de desinformação.