Título: 8 de março em algum lugar do Brasil
Autor: Adonia Antunes Prado
Fonte: Jornal do Brasil, 08/03/2006, Outras Opiniões, p. A11

As datas comemorativas têm a função primordial de fazer lembrar eventos, pessoas ou grupos que por alguma razão importante marcaram a memória coletiva com heroísmo, generosidade, empreendedorismo ou outra qualidade valorizada positivamente na sociedade de que faz parte.

Neste dia 8 de março as mulheres são lembradas por seu importante papel na sociedade. No mundo inteiro, são mulheres que trabalham, criam filhos, dividem alegrias e tristezas do dia-a-dia ou não com parceiros, professam múltiplos credos religiosos, pertencem ao extenso leque de etnias que colorem nosso mundo e provam quão diversa e original pode ser a humanidade. No Brasil, as mulheres estão na zona rural e nas cidades, nas universidades, nas tarefas de prestação de serviços, nas favelas, nos bairros abastados, enfim, vivem a sua rica diversidade dentro das condições de luta pela sobrevivência, de busca por felicidade, saúde, paz que se colocam neste país.

Em algumas cidades brasileiras, bolsões de pobreza endêmica, as mulheres passam meses a fio, quase um ano inteiro, qual penélopes caboclas, à espera de seus maridos, pais, filhos ou irmãos. Cidades como as piauienses Barras, Miguel Alves, Esperantina, Uruçuí, Corrente e São Raimundo Nonato vêem a cada ano a quase totalidade de sua população masculina adulta viajar em busca de trabalho. Esses homens viajam para o Pará, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo e Brasília.

As mulheres falam do regresso que começa a acontecer no mês de novembro e da permanência que vai até o mês de janeiro, quando os homens, findas as parcas economias que, com sorte, trouxeram da jornada de quase um ano de trabalho, partem novamente para destinos incertos. Alguns passam anos sem ver suas famílias, outros demoram menos.

Em sua imensa maioria, esses migrantes temporários são absorvidos pelo trabalho braçal em fazendas dedicadas à pecuária e à agricultura nos estados do Pará e do Tocantins e são inúmeros os casos em que os trabalhadores sofrem maus tratos. Ali eles adoecem ou padecem vários tipos de dificuldades, como dormir em lugares totalmente inadequados, alimentar-se de maneira insuficiente, conviver com os perigos oferecidos pela floresta, trabalhar sem as garantias legais, sofrer situações abusivas quanto à exploração de sua força de trabalho e, mesmo, ser submetidos ao trabalho escravo.

Estudos realizados pelo Grupo de Pesquisa sobre Trabalho Escravo Contemporâneo da Universidade Federal do Rio de Janeiro mostram que, mesmo sabendo dos riscos e incertezas contidos nessa busca incessante por sustento e um pouco de conforto, os trabalhadores continuam viajando, migrando temporariamente. Na realidade, o que os leva a migrar é a inexistência de oportunidades em suas localidades de origem.

A situação de pobreza e a ausência masculina faz com que as mulheres busquem recursos na coleta e venda do côco babaçu, atividade que acrescentam às suas tarefas domésticas, que incluem os cuidados da casa, dos filhos, dos idosos e, muitas vezes, dos netos. Algumas também trabalham na roça de subsistência.

A situação de saudade, medo, preocupação com os familiares distantes e a necessidade premente de manter a família, geralmente numerosa, faz com que as mulheres daquela região brasileira mereçam ser lembradas neste 8 de março, mantendo-se a tradição de resistência e busca por melhores condições de vida que as comemorações desse dia evocam.