Título: A eleição do telhado de vidro
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 12/03/2006, País, p. A5

À medida que o período mais intenso da campanha presidencial se aproxima, a figura um tanto chamuscada do marqueteiro adquire importância crescente. Com menos dinheiro à vista, e com os passos seguidos por milhões de fiscais virtuais - assustados diante a degeneração dos costumes políticos - candidatos e consultores já se dedicam a decifrar o enigma de toda eleição: como sintonizar a campanha na freqüência que o eleitor quer ouvir. Se alguém já descobriu o segredo só contou para o candidato que o contratou. Desde logo, no entanto, algumas certezas se tornam consenso entre os bruxos. A campanha presidencial promete ser uma das mais agressivas dos últimos anos e também uma das mais perigosas para quem priorizar o ataque ao adversário. O telhado de vidro é a grande ameaça, sobretudo para tucanos e petistas.

Entre os principais candidatos, as denúncias contra o oponente deverão ser respondidas no mesmo tom. Fatos e argumentos não faltam, de um lado e do outro. Como o grau de desilusão do eleitor chegou ao ápice - a prova é a explosão da campanha pelo voto nulo - as denúncias recíprocas correm o risco de chegarem ao eleitor como baixaria de quem não merece confiança.

Marqueteiro vitorioso na recente campanha pelo sim, no referendo das armas, Chico Santa Rita não tem dúvidas de que esta será uma campanha polarizada entre tucanos e petistas, para ser decidida no segundo turno, ante um eleitor desconfiado.

- Com o eleitor descrente, pedra vira vidraça. Todo cuidado é pouco, sobretudo ante o fato de que essa deve ser uma campanha terrivelmente poluída, pulverizada. Teremos candidatos a presidente, governador, senador e deputado, gente inexpressiva de partidos nanicos, falando bobagem nos poucos segundos disponíveis. Tudo isso enerva ainda mais o eleitor saturado da política e dos políticos.

Tucanos e petistas correm o risco de parecer farinha do mesmo saco: a política econômica criticada de Lula segue os passos de Fernando Henrique; o mensalão e o caixa dois do governo do PT estão na mesma trilha do ''é dando que se recebe'' dos tempos de FH.

Se Fernando Henrique teve mais êxito do que Lula em não deixar que denúncias semelhantes causassem tanto alarido e por tanto tempo, até agora tem dado certo a tática do atual presidente em se desvencilhar dos escândalos, deixando todo o ônus para o PT.

Um dos grandes desafios do marketing político é descobrir porque certas acusações ''colam'' facilmente em alguns candidatos, enquanto poupam outros. Este fenômeno é universal, ensina Francisco Ferraz, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e especialista em marketing político.

- Lula figura no segundo caso, como as pesquisas estão mostrando. Essa questão tem a ver com o sentimento popular num determinado momento e com a vida e a carreira do político, entre outros fatores.

Mas mesmo essa situação não é imutável, diz o especialista:

- O órgão mais sensível do eleitor é o bolso. Se a situação econômica degringolasse, por exemplo, e a inflação voltasse a roer o salário do trabalhador, muita gente mudaria de idéia e passaria a achar que Lula também tem sua cota nos escândalos.

Por enquanto, como acentua Ferraz, Lula prossegue no movimento de priorizar as classes D e E, em detrimento da classe média, antes era simpática ao PT. A questão é de matemática eleitoral: atender às reinvindicações, como um aumento generalizado e consistente para o funcionalismo, por exemplo, sai mais caro do que destinar uma verba fixa para o programa assistencial Fome Zero.

- Lula não pode desprezar totalmente a classe média nessa conta de chegar e certamente vai acenar com alguma melhoria. Mas, por enquanto, está escolhendo gastar menos dinheiro para satisfazer uma quantidade bem maior de pessoas.

Neste jogo entra em campo outra curiosa combinação que vem dando certo, como acentua o presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos, Carlos Manhanelli:

- Lula conseguiu a adesão da classe ''AA'', a dos banqueiros, e das classes D e E, dos mais pobres. Com os banqueiros ele pode conseguir dinheiro para a campanha que visa a agradar os mais pobres.

Quanto ao lado tucano, Chico Santa Rita chama a atenção para as diferenças que devem nortear o planejamento de uma campanha, em função da escolha de Geraldo Alckmin ou José Serra:

- Conheço bem os dois. Têm personalidades totalmente diferentes. E no Brasil não se faz campanha partidária e sim em função do candidato.

Manhanelli complementa que José Serra, caso seja o escolhido, deverá carregar o ônus de abandonar a prefeitura de São Paulo. Para Alckmin, o problema principal será o fato de só ser bem conhecido em São Paulo.

Os marqueteiros não acreditam muito nas probabilidades de sucesso dos candidatos que mais se aproximam de Lula e do nome a ser indicado pelo PSDB. Chico Santa Rita está cético quanto ao fato de o PMDB ceder a legenda para Garotinho se candidatar. Francisco Ferraz lembra que, pelos atuais números, o ex-governador do Rio ainda não conseguiu suplantar as percentagem que apresentou na eleição passada.

Quanto a Heloísa Helena, o PSOL, Carlos Manhanelli lembra que ela vai contra a tendência ''centrista'' da maioria dos eleitores de todas as classes, voltando à ''imagem raivosa da antiga esquerda, que ainda mete medo em muita gente''.