Título: Duzentos mil pedem justiça
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Fonte: Jornal do Brasil, 24/11/2004, Internacional, p. A-7

Manifestantes se dirigem à residência presidencial enquanto líder da oposição faz posse simbólica

KIEV - Mais de 200 mil pessoas foram às ruas ontem em Kiev, capital da Ucrânia, no segundo dia de protestos contra o resultado das eleições presidenciais, divulgado na segunda-feira e questionado por muitos observadores internacionais.

Os manifestantes se dirigiram à residência do atual presidente Leonid Kushma e exigiram que o governo admita que o pleito foi fraudado em favor do candidato da situação, o primeiro-ministro Viktor Yanukovich, que tem o apoio de Moscou.

A multidão também pediu o reconhecimento da vitória do líder da oposição, Viktor Yushchenko, que tomou posse numa cerimônia simbólica no Parlamento ucraniano e defende uma aproximação maior do país com o Ocidente.

Com a mão sob a Bíblia, Yushchenko prometeu ''defender os direitos e as liberdades dos cidadãos ucranianos''. Além disso, o candidato pediu o apoio da polícia e do Exército ucraniano, acusando Yanukovitch de ser responsável pelas fraudes eleitorais, confirmadas por monitores internacionais.

- Estamos lutando pela democracia e vamos vencer - declarou o deputado oposicionista Ihor Ostash, enrolado em uma faixa laranja, a cor da campanha de Yushchenko.

A sessão parlamentar, que foi boicotada pelos representantes do partido governista, terminou sem decisão sobre o futuro político da Ucrânia.

- Estamos escorregando para o abismo. É imoral e criminoso fingir que nada está acontecendo neste país - disse o presidente do Parlamento, Volodymyr Lytvyn, na abertura do debate de ontem.

As manifestações tiveram início na segunda-feira, imediatamente após o anúncio de que, com pouco mais de 99% dos votos apurados, Yanukovich teria sido eleito com 49,4% contra 46,7% de Yushchenko, ao contrário das pesquisas de boca de urna que previam a vitória da oposição com uma diferença de 6 p.p. a 11 p.p. Observadores internacionais suspeitam de fraudes em especial nas zonas Leste e Sul do país, redutos favoráveis ao governo e à aproximação com a Rússia.

Nas regiões, o índice de comparecimento, ''considerado irreal'' pela Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, por exemplo, que enviou 600 monitores ao pleito, chegou perto de 100% em muitos postos eleitorais, bem acima dos 79% da média nacional nas eleições.

Houve também denúncias de que funcionários públicos e estudantes das universidades federais foram coagidos a votoar no governo, bem como reclamações de que muitos observadores internacionais foram impedidos de trabalhar.

As eleições na Ucrânia são consideradas cruciais para o projeto do presidente russo, Vladimir Putin, de retomar o controle das ex-repúblicas soviéticas ou de garantir, pelo menos, que algumas poucas delas, que ainda não se integraram à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), se mantenham sob a influência da política externa do Kremlin. Putin participou diretamente da campanha de Yanukovitch.

- A Rússia hoje está cercada. É um jogo duro e o Kremlin quer fazer o seu, tentando garantir o controle sobre a Ucrânia, depois de perder as repúblicas do Báltico (Letônia, Lituânia e Estônia), a Geórgia, o Uzbequistão, Tajiquistão e Quirguízia para os americanos - disse, ao JB, a professora e cientista política da USP, Lenina Pomeranz, especialista na região.

Putin, que já havia parabenizado Yanukovitch pela vitória, voltou atrás e disse ontem que era preciso ''esperar os resultados oficiais''. Além disso, o presidente russo seguiu a corrente e pediu ''respeito à lei'', como fizeram representantes europeus e o atual presidente ucraniano, depois de dois dias de silêncio com relação aos distúrbios que vêm ocorrendo em Kiev e outras grandes cidades da Ucrânia.

Ontem também, Viktor Yushchenko pediu que o ex-presidente da Polônia Lech Walesa assuma a mediação da crise, o que foi prontamente atendido pelo líder do sindicato Solidariedade, que fez história na resistência ao regime comunista de Varsóvia. Walesa afirmou que está à disposição para inciar o trabalho, desde que o presidente ucraniano concorde com a indicação.