Título: Juros altos e valorização cambial
Autor: Eduardo Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 12/03/2006, Outras Opiniões, p. A11

Em 30 de março teremos no Congresso Nacional uma reunião muito importante. As Comissões de Assuntos Econômicos e de Fiscalização e Controle do Senado, mais a Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados receberão em audiência pública o presidente Henrique Meirelles e os demais diretores do Banco Central. Poderemos então conhecer melhor as posições defendidas pelos membros da diretoria do BC nas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a fixação da taxa básica de juros, a Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic).

O que mais nos preocupa é a insistência na combinação de juros altos com o câmbio valorizado. Na semana que passou o Copom voltou a ser cauteloso demais, ao reduzir a taxa Selic em apenas 0,75 ponto percentual, que ficou em 16,5% ao ano. Admitindo-se uma inflação de cerca de 4,5%, a taxa de juro real é ainda altíssima - quase 12%. A única informação que, com boa vontade, pode ser considerada alentadora é que, desta vez, não houve unanimidade no Copom: três dos seus nove integrantes queriam uma redução um pouco maior, de um ponto percentual.

Mesmo assim, segundo a consultoria GRC Visão, o Brasil continua a ocupar a primeira posição do mundo em juros altos, com 11,6% . O segundo colocado é Cingapura, com 7%. A média geral é de apenas 1,5%.

O diferencial de juros entre o Brasil e os principais centros financeiros mundiais é extraordinário e difícil de explicar. Nos Estados Unidos, a taxa de juros é de 4,55% em termos nominais, de acordo com dados do início de março. Na área do euro, é de 2,67%. No Japão, é de apenas 0,03%.

Isso atrai a aplicação em papéis brasileiros. Nesse contexto, a medida provisória que isentou de imposto de renda as aplicações em títulos públicos de não-residentes no país pode ser inoportuna.

Nos últimos 12 meses, das moedas de 27 mercados emergentes, entre eles o Brasil, o real subiu 19% em relação ao dólar. Das oito moedas do mundo desenvolvido, apenas o dólar canadense se valorizou nesse período, em 8%. Todas as demais registraram depreciação. O euro e o iene, por exemplo, caíram 10,5%. A libra esterlina, 9,6%.

Durante a primeira fase do Plano Real, de 1994 a 1998, abordei esse tema repetidamente. Depois, em 1999, veio o desastre da crise cambial. Não é o fato de ser da base do atual governo que modificará a minha avaliação agora.

O grau de valorização do real, hoje, já é comparável ao que se registrou naquele período. A Fundação Centro de Estudos e de Comércio Exterior (Funcex ) - divulga estimativas da taxa do real, calculada com base em uma cesta de 13 taxas de câmbio bilaterais. Tomando-se o IPC como deflator, a apreciação efetiva do real em relação à cesta chega a 18% em janeiro de 2006, em comparação a janeiro de 2005. Se tomarmos o ano de 2003 como base, a apreciação acumulada alcançou 26%.

O índice de rentabilidade das exportações, segundo a Funcex, diminuiu 6%, também de janeiro deste ano em relação a janeiro do ano passado. Relativamente a 2003, a queda chega a 20%. Num total de 31 setores exportadores acompanhados pela Funcex, a grande maioria registra diminuição de rentabilidade. As exceções são alguns poucos setores que obtiveram ganhos expressivos de preços de exportação: café, extrativa mineral, petróleo e carvão, refino de petróleo, petroquímicos e açúcar. A conseqüência é o declínio das vendas externas. O ritmo de expansão diminuiu de 33%, em 2004, para 23%, em 2005, e para 15% até a primeira semana de março.

O crescimento das importações, de 16%, só não é maior porque a economia nacional ainda está em marcha relativamente lenta. Também aumentam os gastos com turismo e com a remessa de lucros e dividendos para o exterior. Com serviços de computação e informação, as despesas foram 34% maiores em 2005, e com aluguel de equipamentos, 89%.

Em razão do real sobrevalorizado, o setor de calçados, por exemplo, teria demitido de 20 a 25 mil trabalhadores no ano passado, segundo as notícias da imprensa. A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados prevê um número semelhante de demissões neste ano. Os pólos exportadores de calçados, como o de Franca, em São Paulo, e o do Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul, têm sofrido bastante. Franca terminou o ano passado com menos 4.500 empregos, uma queda de 23% sobre 2004.

Empresas internacionais preferem, em alguns casos, transferir a sua base exportadora para países com custos em dólares mais atraentes. Até algumas nacionais estão tomando esse caminho, segundo notícias publicadas nos últimos dias. A fabricante de calçados femininos Azaléia, depois de fechar uma fábrica no Rio Grande do Sul, em 2005, anunciou que passará a produzir cerca de 30 modelos na China. Empregos são destruídos e transferidos do Brasil para outros países.

São esses os motivos fundamentais para que possamos ter maior acesso às informações e defender a transparência nos debates do Copom.