Título: Bom senso mais do que nunca
Autor: Antonio Ermírio de Moraes
Fonte: Jornal do Brasil, 12/03/2006, Outras Opiniões, p. A11

O vice-presidente dos Estados Unidos, Richard B. Cheney, disse que sérias conseqüências poderão advir para o Irã, caso aquele país insista em acelerar seu plano de pesquisas na área nuclear. Ao mesmo tempo, o presidente George W. Bush ofereceu à Índia amplas facilidades para aquisição de tecnologia avançada nesse terreno. Como explicar a estratégia de dois pesos e duas medidas? É verdade que o Irã representa um grande perigo ao querer avançar no enriquecimento do urânio, o que no futuro poderá viabilizar a bomba atômica. Por isso, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) aprovou, na última quarta-feira, o envio do caso ao Conselho de Segurança da ONU que, após avaliação, poderá impor sanções econômicas e militares ao Irã. Afinal, aquele país não assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, o que se choca com o compromisso de transparência dos países que fazem pesquisas nucleares.

Ocorre que a Índia também não assinou o referido tratado, com o agravante de possuir bombas atômicas testadas e aprovadas desde 1974. Ao contrariar a transparência demandada por aquela agência, tecnicamente, a Índia não poderia ser admitida no clube das potências nucleares.

Quem não gostou da ''generosidade'' de George W. Bush foi a China, que também possui bombas atômicas permanentemente preparadas para entrar em ação. Aliás, o país acaba de aprovar um aumento de 15% no seu orçamento de defesa, o que deve ter precipitado a oferta de Bush.

Em outras palavras, os Estados Unidos e demais nações desenvolvidas querem neutralizar a hegemonia bélica da China, Índia e Paquistão, que possuem perigosos artefatos nucleares.

O que faz sentido para a política de segurança na Ásia tornou-se um verdadeiro convite ao Irã. Com isso, os iranianos passaram a acelerar ainda mais o enriquecimento de urânio e usar o petróleo como contra-golpe a uma eventual tentativa da ONU de barrar seus planos.

Vejam o imbróglio que foi criado. A Índia e o Irã se mantêm resistentes ao Tratado de Não-Proliferação. Para complicar, o envio do caso à ONU instigou um clima de confrontação entre o Irã e os países avançados. Tanto que, na noite de quarta-feira, ao saber da decisão da AIEA, o governo iraniano anunciou que ''o ocidente amargará danos e dor se seus planos foram impedidos''.

Em suma, o equilíbrio nuclear foi colocado em xeque. Mesmo reconhecendo a dimensão estratégica do acerto entre Estados Unidos e Índia para todo o Ocidente - uma vez que o perigo chinês é uma realidade - o acordo foi, no mínimo, ousado.

Ninguém podia imaginar que o século 21 seria aberto com tanta intranqüilidade. Daqui para frente é contar com o bom senso dos governantes para evitar uma catástrofe mundial.