Título: Desenvolvimento endógeno
Autor: Paulo R. Haddad
Fonte: Jornal do Brasil, 12/03/2006, Economia & Negócios, p. A20

A divulgação pelo IBGE de informações sobre o PIB dos municípios brasileiros permite analisar, com maior precisão, o processo de crescimento econômico no país. A precisão vai se tornando maior à medida que as séries estatísticas se ampliam ao longo do tempo e progride a qualidade técnica. O PIB dos municípios é um indicador importante para o conhecimento da geografia econômica do Brasil, para a formulação de políticas públicas e para orientar o processo de planejamento local e microrregional. Quando se observa, por exemplo, o PIB dos municípios neste início de século, de 2000 a 2003, alguns fatos podem ser ressaltados. Os resultados das variações do PIB per capita apresentam diferenças. Enquanto quase 1.800 municípios tiveram uma variação de mais de 20% acima da inflação acumulada no período (40%), cerca de 2.600 tiveram variações negativas de crescimento real per capita, dos quais mais de 1.000 com variação negativa maior do que 20%. Em média, os municípios do Sudeste tiveram variação negativa superior à 11%. Nas demais regiões, as variações médias foram positivas com crescimento acumulado em torno de 3%. Há muitas razões para que estas variações ocorram. Os rebatimentos espaciais das políticas macroeconômicas são diferenciados de acordo com as estruturas produtivas locais, o seu grau de empreendedorismo, o nível de organização empresarial e de inserção na economia global. Os municípios podem estar localizados em regiões economicamente deprimidas ou em regiões de fronteira de expansão econômica.

Contudo, pode-se dizer que o desenvolvimento local se sustenta quando baseia-se na ativação de forças sociais e na melhoria da capacidade associativa e do exercício da iniciativa inovadora. O desenvolvimento de um município depende profundamente da sua capacidade de organização social e política para modelar o próprio futuro. Ele ocorre quando, endogenamente, se manifesta uma energia capaz de estruturar recursos tangíveis (capital físico e natural) e intangíveis (capital social e institucional), que se encontravam latentes ou dispersos.

Assim, um processo de desenvolvimento endógeno local é concebido e implementado a partir da capacidade que dispõe determinada comunidade de mobilização social e política de recursos humanos, materiais e institucionais. Não é um processo que brota no terreno do conformismo, da apatia, da inércia ou da passividade dos habitantes de um município onde a dinâmica de organização social e política ainda não se faz presente. Não há desenvolvimento onde não há inconformismo com o mau desempenho dos indicadores econômicos, sociais e de sustentabilidade ambiental.

A etapa seguinte tem sido procurar diagnosticar, técnica e politicamente, as razões e as causas do mau desempenho dos indicadores. Não se trata apenas de preparar documentos elaborados por especialistas mas, principalmente, de conscientizar as lideranças políticas e comunitárias sobre o que deve ser feito para transformar as condições atuais, visando a obter melhores índices de desenvolvimento humano, de competitividade econômica etc.

A terceira etapa envolve a transformação da agenda de mudanças em um plano de ação. Um plano que seja não somente tecnicamente consistente, mas gerado a partir da mobilização da sociedade civil, em regime de parceria com as autoridades e instituições locais e supra-locais.

Pode-se observar que, em geral, os projetos bem sucedidos de reformas e de mudanças nas cidades e nas regiões mais prósperas do país ocorreram em contextos que envolveram uma situação de expressiva endogenia no processo de desenvolvimento. Ou seja, a forte presença de atores sociais (líderes políticos, empresariais, comunitários) na concepção e na condução das experiências de promoção do desenvolvimento, e não apenas o movimento de instituições e de agências externas ao município ou à região que atuam de forma excludente quanto à relativa autonomia decisória local. Neste sentido, a etapa de desenho e de execução de uma agenda de mudanças econômicas e sociais em uma área fica na dependência da qualidade de suas lideranças políticas e comunitárias: o seu nível de consciência social, de conhecimento sistêmico, de capacidade de gestão, de negociação em situações de conflitos; capacidade de atrair recursos externos etc.

Registra-se, também, em todos os casos de sucesso, alguma experiência de maior ou menor profundidade de reforma do setor público, envolvendo o ajuste fiscal e financeiro, uma reforma administrativa e, principalmente, uma especificação mais precisa dos limites entre o espaço do setor público e o espaço do setor privado. Quanto mais se definirem possibilidades de formas concretas de parceria entre estes dois setores, maiores serão as chances de superar problemas e de mobilizar potencialidades de crescimento da economia local e regional. A identificação destas potencialidades e a sua ativação são a base indispensável para que uma economia urbana encontre uma trajetória de crescimento sustentado.