Título: EUA aprovam emenda antiaborto
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Fonte: Jornal do Brasil, 24/11/2004, Internacional, p. A-12

Medida é vitória de conservadores

WASHINGTON - Grupos religiosos americanos conseguiram a primeira vitória legislativa desde a reeleição do presidente George Bush, ao incluir uma emenda com verba específica no orçamento que vai minar leis estaduais que permitem a realização de abortos em hospitais. A cláusula, inserida no último minuto no orçamento de US$ 388 bilhões, foi aprovada no Congresso sem debate em um dos últimos atos da atual sessão legislativa. O presidente deve transformá-la em lei rapidamente.

A aprovação do projeto de lei é fruto de dois anos de campanha empreendida por bispos católicos e organizações antiaborto para dar proteção legal a hospitais que se neguem a fazer abortos ou não queiram indicar locais onde possam fazê-lo. O maior grupo antiaborto dos Estados Unidos descreveu a passagem do projeto de lei como uma de suas mais importantes vitórias legais.

O triunfo da direita religiosa foi condenado por senadores democratas e mulheres ativistas como uma tentativa clandestina de ludibriar o direito ao aborto. Alguns membros sequer sabiam da cláusula quando o projeto de lei chegou ao Congresso, no sábado, quando então já era tarde demais para bloqueá-la.

- O estatuto foi proposto várias vezes no Congresso e nunca teve êxito como um fragmento independente da legislação - disse Linda Rosenthal, diretora do Centro para Direitos Constitucionais. - Agora eles chegaram no último minuto e enfiaram um documento anexo no projeto de lei. Isto é absolutamente um esforço discreto para minar o aborto. Não é nada transparente.

Depois do alvoroço democrata, se concordou que o Senado poderá votar para impedir a medida em abril. Enquanto isso, mulheres ativistas tentam avaliar o impacto que a ação pode ter naquelas que querem fazer aborto. Ainda que tenham o direito garantido de abortar, desde a decisão da Suprema Corte batizada de Roe versus Wade, hospitais e companhias seguradoras não são obrigadas a fornecer o serviço e médicos, individualmente, podem rejeitar fazê-lo alegando questões de consciência.

No entanto, em alguns estados, a lei local requer que hospitais e empresas seguradoras ofereçam serviços de aborto, e são justamente essas obrigações legais o alvo desta última medida federal conservadora, oficialmente nomeada de Lei de Anti-discriminação do Aborto.

Mulheres ativistas temem que a linguagem vaga da cláusula desencoraje hospitais a fornecer informações sobre serviços de aborto. Além disso, a medida vai expor as companhias seguradoras a pressões da direita cristã, que provou ter uma formidável força lobista.

- Isto tem o potencial de causar muitos danos - disse Susanne Martin, a sub-diretora de políticas do grupo Paternidade Planejada. - Nós certamente podemos antecipar que aqueles que se opõem ao aborto vão tentar usar isso para alavancar hospitais e companhias seguradoras a negar cobertura a mulheres. A cláusula dará a eles mais munição para interferir - acrescentou.

A última vitória deu um novo e importante impulso moral à direita religiosa num momento em que seus seguidores estão esperando avanços em sua agenda nos próximos quatro anos de governo Bush.

A medida é a primeira de várias cláusulas que visam a restringir o direito ao aborto. Entre elas há um projeto de lei que impediria menores de idade de viajar para outros estados com o objetivo de obter consulta para abortar.

E há outra que obrigaria os médicos a dar uma aula aos pacientes sobre as dores que o feto sente durante o aborto, ainda que os cientistas ainda não tenham estabelecido se os fetos realmente sentem dor.