Título: Morales dá show à parte
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Fonte: Jornal do Brasil, 12/03/2006, Internacional, p. A26

O presidente boliviano, Evo Morales, roubou a cena no dia da posse da primeira mulher a governar o Chile, Michelle Bachelet, ontem, em Santiago. Depois de prometer à secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, empenhar-se no combate ao tráfico de drogas, Morales a colocou numa situação constrangedora na frente de fotógrafos de todo o mundo. A pretexto de oferecer um símbolo de seu país, o presidente ofereceu à Condoleezza um charango, pequeno instrumento de cordas. Decorado com folhas de coca.

A comitiva americana era só cordialidade até o momento em que Condoleezza e Morales posaram para fotos, logo depois do encontro de 25 minutos que tiveram a portas fechadas.

Nenhum dos dois falou com jornalistas. Mas, nos bastidores, assessores de ambos comentavam que o encontro foi positivo. Condoleezza, em nome do presidente George Bush, mostrou-se aberta ao diálogo, desde que o tráfico de drogas fosse combatido. Morales prometeu rigor contra o crime organizado, desde que respeitados os direitos dos plantadores da folha de coca, cultura tradicional em seu país.

Ao ganhar o charango, a secretária sorriu e agradeceu. Apenas alguns segundos depois seus assessores perceberam que os detalhes verdes do instrumento vinham de pequenas folhas de coca coladas a sua superfície. Sem chances de retirá-la da armadilha registrada pela imprensa mundial, pararam de sorrir e comentaram discretamente que o presente, então, não poderia ser levado para Washington, onde teria de ser retido pela alfândega dos Estados Unidos, onde a coca é produto ilegal. Condoleezza, que é pianista, não demonstrou constrangimento. Preferiu ser diplomata e chegou a dedilhar o charango.

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, de quem se esperava alguma manifestação que causasse mal-estar à Condoleezza, acabou sendo um ''cavalheiro'', segundo ele mesmo. Em janeiro, em um programa de rádio, ele mandou um recado à secretária: ''Não se meta comigo, moça''. Condoleezza reagiu, classificando-o de ''desafio para a democracia'' e ''perigo para a América Latina''.

Embora tenham ficado próximos durante a posse, os dois não se encontraram, o que não foi coincidência. Na verdade, seus assessores os conduziram de forma que não houvesse possibilidade de seus caminhos se cruzarem.