Título: Verdades e mitos sobre o petróleo
Autor: Joseph Nye
Fonte: Jornal do Brasil, 12/03/2006, Internacional, p. A26

O presidente George Bush já disse que os Estados Unidos são ¿viciados em petróleo¿. Foi quando anunciou um programa de pesquisa energética que iria reduzir as importações de combustível do Oriente Médio em 75% nas próximas duas décadas. Mas, mesmo que esse plano seja bem-sucedido, não vai ajudar muito a aumentar o nível de segurança energética do país, que importa apenas um quinto de seu petróleo do Golfo Pérsico. Os americanos não são os únicos a se preocupar com o combustível como um problema de segurança nacional. China e Índia, os dois maiores países do mundo, compreendem que suas altas taxas de crescimento econômico também dependem do petróleo estrangeiro.

Enquanto os dois países juntos usam pouco menos da metade do que é gasto nos EUA, seu consumo está crescendo mais rapidamente. Quando países pobres têm o mesmo consumo per capita que as nações ricas, a pergunta é: haverá petróleo suficiente?

China e Índia têm cruzado o planeta fazendo acordos caros tanto do ponto de vista financeiro quanto do político para tentar tomar o controle da produção de novos países exportadores de combustível. Por exemplo, quando nações ocidentais desencorajaram suas companhias petrolíferas a fazer negócios com o governo do Sudão em conseqüência da maneira como tem lidado com o genocídio em Darfur, a China foi rápida em comprar todo o estoque do país.

Alguns especialistas argumentam que a produção mundial de petróleo vai chegar ao pico em uma década. Outros garantem que novas descobertas e o desenvolvimento de tecnologias de extração fazem essas projeções soarem alarmistas.

Como não há estatísticas precisas sobre as reservas de países como a Arábia Saudita, é impossível prolongar essa discussão. Mas a maioria dos especialistas concorda que o mundo não vai ficar sem petróleo tão cedo ¿ mesmo com as demandas crescentes da China e da Índia. Já foram descobertas reservas com volume equivalente a mais de um trilhão de barris e mais estão para ser encontradas.

De qualquer forma, as discussões sobre o tamanho das reservas mundiais de petróleo e sobre quando a produção no planeta chegará ao pico passam ao largo da questão da segurança.

O cerne do problema não é a quantidade global de petróleo, mas sua localização. Dois terços das reservas já descobertas estão localizadas no Golfo Pérsico, uma das regiões mais voláteis do mundo.

O abastecimento de petróleo tende a ser vulnerável a confrontos políticos muito antes de serem levantadas questões relativas a sua escassez. Para a China e Índia, isso só reforça o desejo de controlar estoques de países de fora do Golfo Pérsico. Da mesma forma, levou George Bush a sua intenção declarada recentemente de reduzir as importações da região em 75% nas próximas duas décadas.

À primeira vista, a missão de Bush parece fácil. Os EUA utilizam aproximadamente 21 milhões de barris por dia, e importam algo em torno de 2,5 milhões desse total do Golfo Pérsico. Mesmo antes que novas tecnologias produzam essa quantidade de combustível, o país poderia passar a importar da Nigéria, Venezuela e outros.

Mas, mesmo que essas nações permaneçam estáveis, os americanos não ficarão seguros. O que importa é a quantidade total de petróleo que uma nação importa, não de onde vem.

Suponhamos que os esforços do Irã para obter armas nucleares abram uma crise no Golfo Pérsico. O país já ameaçou suspender a exportação de petróleo se o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas decidir impor sanções por violar tratados nucleares. A maioria dos especialistas prevê que um movimento como esse iria elevar o preço do petróleo ¿ incluindo o venezuelano, o nigeriano e qualquer outro que os EUA, a China e a Índia consomem ¿ para US$ 100 o barril. Essa alta iria atingir todas as economias que compram petróleo, não importando de onde vem.

O mundo aprendeu essa lição no período que se seguiu à guerra do Yom Kippur, entre árabes e israelenses, em 1973. Os países árabes exportadores de petróleo embargaram as vendas para os EUA e Holanda para puni-los por seu apoio a Israel.

Mas o combustível destinado aos dois países foi desviado para outros, como Japão, enquanto a produção que deveria seguir para outras nações chegaram aos EUA e à Holanda.

O petróleo é uma commodity fungível, colocada no mercado a um preço único. Quando a poeira baixou, americanos, holandeses e outros importadores sofreram, todos, intensamente, o mesmo nível de escassez e pagaram o mesmo preço alto.

Isso significa que China e Índia estão se iludindo se acham que fechar acordos preferenciais para obter o petróleo do Sudão ou do Irã vai lhes garantir segurança energética.

Quando um conflito ocorrer, China, Índia e os EUA vão, todos, perceber que enfrentam preços iguais ¿ e, portanto, problemas iguais. Enquanto isso, a falta de capacidade da China de compreender os mercados significa que o país sempre paga mais por algo que equivocadamente considera segurança energética.

Bush comete o mesmo erro. Mesmo que reduza as importações do Oriente Médio, os Estados Unidos não vão usufruir de sua segurança energética a não ser que contenham sua sede por petróleo. No passado, preços em ascensão ajudaram a baixar o consumo no país. Os americanos utilizam hoje apenas metade do petróleo por dólar de produção do que usavam antes da alta dos anos 70. Entretanto, mais da metade do petróleo que os americanos consomem vai para carros de passeio e caminhões. Os Estados Unidos não vão resolver seu problema de segurança energética até que tenham uma política de combustíveis melhor, conseguida através de uma combinação de tecnologia, impostos sobre a gasolina e regulamentações.

O petróleo não é a causa da Guerra do Iraque no sentido simplista de que o controle americano sobre a produção iraquiana iria deixar o país mais seguro. A dependência mundial do petróleo do Golfo Pérsico significa que todos os países têm o interesse de manter a estabilidade daquela região, ao mesmo tempo em que desenvolvem eficiência no setor e aperfeiçoam a diversidade de seus estoques energéticos.