Título: Dificuldades na volta para casa
Autor: Branca Nunes
Fonte: Jornal do Brasil, 15/03/2006, Rio, p. A8

A aposentada Cantalícia Carvalho de Barros, 82 anos, saiu de sua casa na Travessa da Escada, na Favela da Rocinha, às 12h. Tinha uma consulta médica no Hospital da Lagoa marcada para as 12h40. Ao voltar, quase duas horas depois, tropeçou no impasse: a barreira montada pelo Exército na entrada da Estrada da Gávea impedia a subida das vans que fazem o transporte público na comunidade. Cardíaca, movendo-se com o auxílio de muletas e atordoada pela quantidade de remédios ingeridos durante a consulta, Cantalícia ficou mais de meia hora sentada no ponto de ônibus. Amigos conseguiram um carro para deixá-la em casa. A partir das 10h, quando as tropas chegaram à Rocinha, somente alguns veículos e motos podiam passar pelas barreiras militares. O drama de Cantalícia foi vivido por centenas de pessoas. Raimunda Pereira Nunes, 59 anos, tentava subir, em vão, até a Rua 2, na parte alto do morro, com o neto Rafael, 6.

¿ Minha filha mora na Rua do Valão, mas o lugar está cheio de soldado armado e eu não quero levar meu neto para lá. Acontece que sem as vans não sei como farei para subir até minha casa ¿ contou Raimunda.

Por volta das 18h, horário em que a maioria dos moradores voltava para casa, dezenas de pessoas disputavam o espaço das ladeiras com soldados armados de fuzis, caminhões do Exército e tanques blindados. Homens carregavam sacolas de compras, mulheres levavam as crianças pelas mãos e idosos recebiam ajuda de parentes e amigos para conseguir atravessar mais de dois quilômetros de subida a pé. Uma moradora de 73 anos caiu de cansaço depois de caminhar mais de quarenta minutos pela Estrada da Gávea.

Quem vive do comércio também teve do que reclamar. Com barraca de roupas montada na frente da favela, uma vendedora lamentava a baixa da clientela.

¿ Num dia normal vendo R$ 150. Hoje só teve cliente até a chegada das tropas. Não ganhei nem R$ 70. Com o Exército aqui, ninguém quer saber de olhar roupa. Durante a operação, os soldados enfrentaram a provocação de bandidos encapuzados que faziam símbolos de facções criminosas com as mãos. Por rádio, eles difamavam os militares.

Alguns moradores afirmaram que os traficantes impediram os comerciantes de fecharem suas lojas. Na visão dos criminosos, com o comércio aberto era mais fácil para os bandidos se locomoverem sem serem descobertos.