Título: Cliente tem sempre razão
Autor: Cristiane Crelier
Fonte: Jornal do Brasil, 15/03/2006, Economia & NegóciosA17, p. A17

O Código de Defesa do Consumidor completa hoje 15 anos com mais uma vitória para o lado de cá do balcão. A maior conscientização na hora de comprar e uma vigilância mais efetiva contra falhas das empresas vêm provocando mudança nas corporações, mais atentas ao que fazer para não cair na lista negra do consumidor. É unânime entre especialistas a opinião de que o consumidor brasileiro é hoje mais exigente. Apenas nos últimos três meses, o Procon-RJ registrou 7.628 reclamações, das quais 31,83% dizem respeito a produtos, 28,61% contra instituições financeiras e 23,61% sobre serviços essenciais. No ano passado, os Juizados Especiais Cíveis do Estado julgaram mais de 400 mil processos de compradores insatisfeitos com produtos e serviços oferecidos pelas empresas. Para se ter uma idéia, cada vez que um juizado no Rio atinge 16 mil processos em andamento, é criado um novo. Hoje, o Rio tem 27 juizados na capital e 34 no interior. Assim, o Estado tem, hoje, cerca de 970 mil processos em andamento relacionados a queixas do consumidor.

Segundo a advogada Fabíola Alessandra Berton, do escritório Moreau Advogados, especialista na defesa de empresas nos juizados especiais, nos últimos anos, as companhias estão investindo na conciliação prévia. Mesmo antes de a situação chegar à Justiça, o advogado é aconselhado a entrar em contato com o cliente e tentar solucionar o problema de forma extrajudicial.

O juiz Flávio Citro, auxiliar da corregedoria e titular 2º Juizado Especial Cível da Capital, cita como exemplo a companhia de telefonia fixa Telemar.

- Até 2003, a Telemar respondia por até 20% dos processos nos juizados especiais. Isso é um tremendo absurdo, em outro país ela poderia até ter perdido a concessão. Nós chegamos a criar e dedicar à companhia um serviço próprio, o expressinho, para julgar juntas as ações de mesmo conteúdo. Porém, a imensa demanda fez com que a empresa tomasse uma atitude a somasse esforços para reduzir o número de ações. Hoje, a empresa tem 13% do total de processos - observa.

Outra empresa de telefonia, a Claro também passou por uma reestruturação devido a uma tempestade de reclamações de seus consumidores. Entre o fim de 2004 e o início de 2005, a operadora passou por um grande problema: as cobranças simplesmente não chegavam ao destino e, acumuladas, eram contestadas pelos usuários de telefones celulares. A partir de então, focou seus investimentos no atendimento. O esforço serviu também para que a companhia deixasse a liderança do ranking de reclamações da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), passando a ocupar o quarto lugar.

''O número de cartas recebidas via imprensa - que reflete o grau de insatisfação dos clientes - também caiu espantosamente. Em dezembro de 2004, recebemos 600 cartas (Brasil) e em dezembro de 2005 apenas 279 cartas'', informa a Claro em nota.

Nos juizados especiais do Rio de Janeiro, 30 empresas respondem por quase metade dos processos. Lojas do varejo e bancos não são poupadas, assim como as prestadoras de serviços essenciais, como a Cedae, a Prolagos, a Light e a Ampla.

- Antigamente, o brasileiro aceitava muito as coisas e, em conseqüência, as empresas faziam o que queriam. Hoje, o consumidor já sabe vir ao judiciário e se defender até mesmo sozinho. Tenho observado nas audiências dos juizados especiais que a maioria dos consumidores sabe bem como produzir provas, já não chega de mãos vazias e argumentos vagos. Esse consumidor quebrou também um pouco da formalidade no sistema judiciário - afirma Flávio Citro.

Luciana Soares, advogada da associação Pró-Consumidor, acredita que esse é o novo perfil do consumidor.

- É aquele que reivindica seus direitos com um discurso antes incomum e hoje usual, que já se faz presente em nosso dia-a-dia, e que aprendeu a dizer: ''Eu fui lesado, eu conheço meus direitos, tenho um código para me defender''. Esse consumidor busca além dos seus direitos individuais. Ele vai atrás do direito coletivo.