Título: Execução a sangue-frio
Autor: Chris McGreal
Fonte: Jornal do Brasil, 25/11/2004, Internacional, p. A9

Fita mostra que oficial matou menina palestina mesmo alertado que não era ameaça

Um oficial israelense, que no mês passado repetidamente atirou em uma menina palestina de 13 anos, minimizou o aviso de um colega de que se tratava de uma criança dizendo que a mataria mesmo se ela tivesse 3 anos de idade.

O capitão, identificado pelo Exército apenas com a inicial R, foi acusado na semana passada por uso ilegal de sua arma, conduta imprópria para um soldado e outras infrações menores. R. esvaziou sua arma em Iman al Hams quando ela caminhava pela ''área de segurança'', na divisa com o campo de refugiados de Rafah, na Faixa de Gaza.

Uma gravação de áudio, da conversa que os envolvidos no incidente tiveram por rádio, foi divulgada na terça-feira na televisão israelense, que também mostrou imagens da menina sendo alvejada. O diálogo contradiz a versão do Exército sobre os fatos e mostra que o capitão atirou na menina a sangue-frio.

Segundo o Exército, Iman foi alvejada porque andava em área militar com uma mochila, que os soldados temiam carregar uma bomba. Mas a conversa entre os recrutas e seu capitão, na cena do crime, revela que, de início, não houve menção da palavra ''bomba'' ou avaliação de ameaça. Pelo contrário, os soldados a identificaram como ''uma garota de cerca de 10 anos'' que estava ''morta de medo''. Iman estava a pelo menos 90 metros de qualquer agente de segurança.

A fita também revela que os soldados disseram que Iman estava andando para o Leste, para longe do posto do Exército, e voltando para o campo de refugiados, quando recebeu o primeiro tiro.

Foi quando o capitão R tomou a decisão pouco comum de deixar seu posto em busca da menina. Ele voltou a balear a palestina e para ''confirmar a morte'' descarregou o pente de sua arma no corpo.

A fita gravada é uma conversa envolvendo três partes: a torre de guarda, a sala de operações do posto e o capitão, que era o comandante da companhia. O soldado na torre de guarda fez contato por rádio com seus colegas, depois de ver Iman:

- É uma menininha. Ela está correndo defensivamente para o Leste.

Da sala de operações, ouviu:

- Estamos falando sobre uma garota de menos de 10 anos?

- É uma garota de cerca de 10 anos, que está atrás do aterro, morrendo de medo - respondeu o guarda.

Poucos minutos depois, Iman recebeu um tiro na perna, vindo de um dos postos do Exército. O guarda relatou:

- Acho que uma das nossas posições a abateu.

O comandante então vai na direção de Iman, que está caída, ferida e indefesa.

- Eu e outro soldado vamos chegar um pouco mais perto, para confirmar a morte (...). Receba o informe: Atiramos e a matamos. Eu também confirmo a morte. Câmbio'' - disse o capitão R.

Testemunhas descreveram como R atirou duas vezes na cabeça da palestina, se afastou, voltou e descarregou o pente da arma sobre o corpo. Médicos no hospital de Rafah dizem ter encontrado 17 balas no cadáver.

Na fita, o capitão ainda explica porque matou Iman:

- Aqui é o comandante. Qualquer coisa que se mova pela área, mesmo que tenha três anos de idade, deve ser morta. Câmbio.

A primeira justificativa oficial do Exército foi de que os soldados só identificaram a palestina como criança depois que ela já tinha recebido o primeiro tiro. Mas a gravação mostra que desde antes de qualquer bala ser disparada eles sabiam que a menina era jovem, achavam inclusive que era mais nova do que seus 13 anos.

O caso veio a público quando os soldados sob o comando de R denunciaram, em um jornal israelense, que o Exército estava encobrindo as circunstâncias da execução da garota.

Uma subseqüente investigação, realizada pelo responsável militar pela Faixa de Gaza, major-general Dan Harel, concluiu que o capitão ''não agiu fora da ética''. Apesar disso, a polícia militar começou outra investigação, que resultou nas acusações contra o comandante da unidade.

Os pais de Iman acusam o Exército israelense de encobrir o caso ao imputar sobre R acusações menores. Eles querem que o capitão seja processado por assassinato.