Título: Sensibilidade a choques impede crescimento
Autor: Raul Veloso
Fonte: Jornal do Brasil, 25/11/2004, Outras Opiniões, p. A11

De fato, uma simples olhada na experiência recente mostra que, de 1995 para cá, além de o PIB ter crescido pouco em média, o crescimento se deu aos solavancos

Crescimento igualmente forte em 2005-2006? Essa é a esperança de muitos, inclusive (e naturalmente) do atual governo. Segundo o Banco Central (Pesquisa Focus), os mercados, mais cautelosos, apostam que depois de o Produto Interno Bruto (PIB) crescer este ano 4,6%, deverá registrar taxa menor no ano que vem: 3,5%. Sobre 2006, ainda não há coleta sistemática de projeções.

O que mostra a experiência recente? Até o início dos anos oitenta, parecia que o Brasil tinha crescimento médio garantido de 7% ao ano. De lá para cá, nada comparativamente muito promissor. O PIB cresceu, em média, 3% ao ano em 1980-1989; 1,4% em 1990-1994; 2,6% em 1995-1998; 2,0% em 1999-2002. No ano passado, teria evoluído a taxa negativa: -0,2%.

De fato, uma simples olhada na experiência recente mostra que, de 1995 para cá, além de o PIB ter crescido pouco em média, o crescimento se deu aos solavancos. O fôlego se perdia depois de um determinado número de meses de razoável crescimento, em função de crises ora de origem interna, ora provenientes do exterior. Isso mostra que a despeito do sucesso do Plano Real na frente anti-inflacionária, a busca do crescimento sustentado continua na ordem do dia.

O equacionamento desse problema é, obviamente, da maior complexidade. Se a solução fosse simples, alguém já a teria patenteado.

Nada obstante, penso que um problema central nessa história é a elevada sensibilidade da economia brasileira a choques. Choques desfavoráveis - dos quais, infelizmente, o mundo tem estado cheio - produzem forte impacto na economia brasileira (mais que em outras nações emergentes), o que acaba batendo de frente com o esforço anti-inflacionário. Como o país não agüenta mais conviver com inflação alta, todo e qualquer choque que pressione, de forma acentuada, as taxas de inflação para cima, gera, em algum momento do futuro, uma reação de aperto da política monetária por parte do Banco Central, que, ao final, implica desaceleração da economia. Antes, mesmo, de se aproveitarem as ''janelas de oportunidade'', que se abrem de tempos em tempos, para reduzir mais fortemente os juros, o Banco Central é forçado a agir, sob pena de a inflação sair de controle.

Falo principalmente de choques que se traduzem em relevantes depreciações da taxa de câmbio ou em reajustes de preços internos de alto impacto, como é o caso dos derivados de petróleo.

Caberia, então, perguntar como se explica o maior crescimento previsto para 2004, e por que motivo nossa economia é tão vulnerável a choques.

O ano de 2004 é especial por dois motivos básicos. O primeiro é que as taxas de juros reais deverão fechar o ano bem abaixo dos valores do ano passado. A Selic real, por exemplo, que é a taxa de juros básica fixada todos os meses pelo Banco Central, deve fechar 2004 em 8,6% ao ano, ante 13,1% verificados no ano passado. O segundo é que o comércio mundial cresceu a taxas muito elevadas e sem precedentes recentes. Isso puxou para a frente não apenas a nossa, mas também boa parte das economias do mundo, levando a valores recordes do coeficiente de abertura da economia brasileira (ou seja, da razão entre a soma de exportações e importações e o PIB brasileiro).

Outra característica marcante do ano de 2004 é que o mini-choque do primeiro trimestre deste ano, que levou a uma expressiva subida da taxa de câmbio, da qual derivaram fortes pressões sobre os preços internos, somente gerou a necessidade de subida da Selic nas últimas reuniões do Comitê do Banco Central (Copom), que cuida da fixação de juros todos os meses. Isso implica transferência de dificuldade para o ano de 2005, no que concerne às perspectivas de crescimento. Nesses termos, como existem choques à espera de absorção (crise do petróleo e desaquecimento da economia mundial, tarifas de ônibus, entre outros), por enquanto o quadro do ano que vem tende mesmo a ser menos favorável do que o deste.

Quanto à explicação da vulnerabilidade a choques esse é assunto para outra coluna.