Título: Governo contém queda do câmbio
Autor: Janaina Leite e Jiane Carvalho
Fonte: Jornal do Brasil, 25/11/2004, Economia, p. A17

Declaração de Lula e anúncio de operação de compra do Banco Central freiam trajetória descendente do dólar

A semana começou com o mantra entoado pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, defendendo a livre flutuação do dólar. O governo não vai intervir no câmbio, repetiam. Ontem, o mercado teve dois sinais de que não é bem assim. Em entrevista à Bloomberg, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu um aumento da taxa de câmbio para um patamar entre R$ 2,90 e R$ 3,10. E o diretor de Política Econômica do Banco Central, Antônio Bevilacqua, anunciou que o governo vai comprar dólares para honrar dívidas no exterior. Foi o suficiente para conter o movimento de recuo da moeda americana, que vinha de duas baixas consecutivas, e sugere que existe um piso para o câmbio. O dólar fechou em alta de 0,4%, cotado a R$ 2,755. Bevilacqua passou parte do dia repetindo que não se tratava de uma intervenção, mas sim de uma estratégia do governo para pagar menos para saldar a dívida. Mas admitiu que foi a primeira vez que o BC anunciava a operação previamente.

O governo brasileiro comprará US$ 2,432 bilhões, que serão usados na liquidação de títulos Bradies, pré-Bradies e acordos negociados com o Clube de Paris. Os papéis, ao todo, somam US$ 2,998 bilhões - outros R$ 566 milhões foram comprados em outubro. A previsão é resgatar US$ 646 milhões em dezembro próximo e liquidar US$ 2,352 bilhões no primeiro semestre de 2005.

Enfático, sustentou que a compra não era uma intervenção velada do BC no mercado de câmbio. Sem mencionar as afirmações feitas pelo presidente Lula, o diretor garantiu que o governo teria em mente apenas a perspectiva de um bom momento para o negócio.

- Isso não tem nada a ver com intervenção, mas sim com recomposição de reservas internacionais. Quem disser o contrário está totalmente enganado e deve se informar melhor. O regime de câmbio é flutuante; estamos aumentando as reservas e, com isso, melhorando a confiabilidade externa - garantiu Bevilacqua.

Embora os reflexos da operação sejam suaves no dia-a-dia do câmbio, o anúncio teve forte impacto nas expectativas.

- Isto mostra que o BC, embora negue, está de olho na cotação do dólar, e, se ocorrerem novas depreciações no mercado, pode agir - diz Francisco Carvalho, gerente de mesa da corretora Liquidez. - Acredito que o piso para uma intervenção de fato, que seria bem mais forte, é de R$ 2,70.

Segundo os analistas do mercado financeiro, o que estaria limitando esta atuação mais forte no câmbio - importante para garantir a competitividade das exportações brasileira - é a necessidade de atingir a meta de inflação, cuja responsabilidade é do BC. Se o dólar subir muito, afeta os preços das commodities e os preços internos sobem, dificultando o controle da inflação e, na opinião de boa parte dos analistas, forçando um aperto na política monetária.

- Qualquer atuação do BC está limitada pela necessidade de controle inflação - lembra Francisco Carvalho, da Liquidez. - Um câmbio entre R$ 2,75 e R$ 2,90 talvez seja um valor que não prejudique exportações nem a inflação.