Título: Os ciclos da turbulência política
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 02/04/2006, País, p. A3

Os ventos que sopram hoje no campo político nos remetem àquela já clássica citação do ex-governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, sobre o caráter volátil da política: ''A política é como as nuvens, ora de um jeito, ora de outro''. Com efeito, a crise que culminou na demissão do ex-ministro Antonio Palocci, outrora todo-poderoso primeiro-ministro de Lula, revela toda a sutileza da vida política. O presidente Lula, há pouco mais de vinte dias, passeava com desenvoltura pela cena política nacional, senhor de 40% das intenções de voto para a sua reeleição e capitaneando um governo cuja avaliação melhorava a cada nova pesquisa. Do outro lado, nos partidos de oposição, seus adversários se engalfinhavam para decidir quem seriam os candidatos.

No PSDB, a luta entre Serra e Alckmin levava o partido a uma queda nas pesquisas, enquanto no PMDB, Rigotto e Garotinho viviam às voltas com reuniões subitamente desmarcadas, liminares e declarações que só injetavam mais incerteza quanto a uma candidatura peemedebista. Em suma, o melhor dos mundos para o presidente.

Eis que vem o caseiro Francenildo que, ajudado pelos aprendizes de feiticeiro da Caixa Econômica, provocou uma crise sem precedentes. Uma trapalhada que reavivou os fantasmas da ditadura militar e que municiou a oposição com argumentos irrefutáveis de violação acintosa de direitos individuais. E, mais uma vez, o presidente Lula, dividido entre a lealdade pessoal e o bom senso político, tardou em demitir o ministro, o que acabou lhe trazendo muitos respingos daquela crise.

Neste meio tempo, o PSDB escolheu Geraldo Alckmin como seu candidato a Presidente e José Serra como seu candidato ao Governo de São Paulo. No PMDB, Anthony Garotinho obteve uma vitória incompleta, uma vez que os líderes da ala governista continuam a condenar a candidatura própria, o que permite antever novos lances de prestidigitação até a convenção de junho. Com todas as ressalvas, o quadro eleitoral definiu-se, com o estreitamento das opções. A decisão do STF de manter a verticalização, já esperada pelos juristas, contribui para inibir as coligações nacionais, colocando os candidatos a Presidente cada um nos seus trilhos para facilitar as alianças regionais.

A segunda rodada da Pesquisa Nacional JB-IBPS já detecta uma mudança na tendência manifestada no início de março, de crescimento do Presidente Lula. Outro aspecto singular é o súbito crescimento da ''corrupção'', apontada como principal problema por 25% dos entrevistados, num crescimento de mais de 100% desde a última pesquisa. Aparentemente, os quinze dias da crise do caseiro recolocaram na ordem do dia o tema que já foi, até dezembro passado, o calvário de Lula e do PT.

Ainda que, para a população brasileira, a prioridade do próximo presidente continue sendo a geração de empregos, a colocação da corrupção no topo da lista dos problemas do país certamente trará conseqüências negativas para Lula.

Na outra ponta, os partidos de oposição armam-se para a batalha eleitoral com a (re)construção da aliança PSDB-PFL, que já vigora há pelo menos doze anos, desde a primeira eleição de FHC. O Governador Geraldo Alckmin, liberto das responsabilidades administrativas, estará livre para correr o país em busca de apoios. Pela esquerda, Lula sabe que será pesadamente bombardeado pela Senadora Heloísa Helena e pelo P-SOL. O ex-governador do Rio, Anthony Garotinho, que preparou um discurso eminentemente econômico para o debate eleitoral, vai cobrar de Lula o crescimento pífio e os juros estratosféricos. Garotinho e Lula, aliás, correm na mesma faixa: os eleitores que ganham até três salários mínimos. Os movimentos sociais, tradicionais aliados do PT, hoje já estão divididos quanto a um compromisso com a reeleição de Lula, o que lhe retira uma das principais bases de apoio. Vê-se que o cenário está longe de ser favorável ao presidente Lula.

Em síntese, a pesquisa aponta para uma reversão de tendências no quadro eleitoral, com um freio no crescimento livre do Presidente Lula e uma maior equilíbrio na disputa, mesmo que confirmando a polarização entre os principais candidatos. Parece mesmo que a política é como as nuvens.