Título: Para Chávez, não basta vencer
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 02/04/2006, Internacional, p. A25

Mais do que vencer a oposição, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, tem um plano ambicioso para as eleições presidenciais de dezembro: o programa da campanha do Movimiento Quinta República (MVR) destaca que o objetivo é ¿derrotar o líder dos Estados Unidos, George Bush¿. Para acelerar e aprofundar a construção do projeto de país contido na Constituição Bolivariana, a vitória não basta. Tem de acontecer com no mínimo 10 milhões de votos. No que depender daqueles que o elegeram, Chávez não deverá ter surpresas.

¿ Os pobres são maioria na Venezuela. Vamos elegê-lo de novo ¿ diz Lucía Gonzalo, moradora da favela de Plan de Manzano, na Zona Metropolitana de Caracas.

Mas há uma parcela da população que ainda precisa ser convencida.

¿ O presidente está se esquecendo da classe média. Meu marido é empresário e reclama que é cada dia mais difícil fazer negócios na Venezuela porque o ambiente político é instável ¿ diz Marieta Almaro, moradora do bairro de classe média Chacao, na capital.

¿Temos de conseguir que Bush não tenha margem de manobra para instrumentar a estratégia de desconhecer o resultado eleitoral¿, deixa claro o programa do MVR. ¿A vantagem do presidente sobre o segundo colocado deve ser arrasadora. Desse modo, faltará a Bush pretextos para abrir um debate sobre a Venezuela na Organização dos Estados Americanos (OEA) ou em qualquer fórum¿.

O documento vai além e identifica, sem eufemismos, a Casa Branca como a mão que controla a oposição a Chávez na Venezuela:

¿Uma das rotas de ação de Bush seria inscrever candidatos e até submetê-los a primárias para unificar a candidatura. Logo, em meio a uma feroz campanha contra o Conselho Eleitoral Nacional (CNE) na reta final da campanha, iria retirá-lo para estimular a abstenção nas urnas¿.

Esse cenário em que a oposição retira-se do pleito ocorreu em dezembro. Ao discordar do uso de máquinas que captavam a impressão digital dos eleitores, 10% dos candidatos a deputados do Bloco Democrático (a oposição) abandonaram a campanha na semana final. O índice de abstenção ultrapassou 70%, mas como o voto não é obrigatório, o pleito foi validado.

O resultado é que hoje os partidos pró-Chávez ¿ MVR, Podemos, Pátria para Todos, Partido Comunista e União Popular ¿ ficaram com as 167 cadeiras do Parlamento. Para o pleito presidencial, o alto índice de ausência de eleitores não é descartado.

¿ As probabilidades são muito grandes de que Chávez ganhe as eleições, independentemente da participação ou não da oposição ¿ afirmou ao JB o cientista político venezuelano Herbert Koeneke.

No entanto, há um consenso entre os especialistas de que a meta de 10 milhões de votos é inviável. Segundo o cientista político José Molina, para este ano estão inscritos 16 milhões de eleitores. Ele lembra que a votação mais concorrida na história recente da Venezuela foi o referendo de revogação do mandato de Chávez, em 2004. O clima era de intensa mobilização e polarização, as previsões de resultado eram incertas para chavistas e opositores e, mesmo assim, foram às urnas 70% dos eleitores.

¿ Isso significa que, mesmo num cenário de intensa competição entre os partidos em dezembro, motivando uma grande mobilização de eleitores, podemos esperar o voto de cerca de 11,2 milhões de venezuelanos, tomando como base o cenário de 2004 ¿ analisa Molina. ¿ Para obter 10 milhões de votos, um candidato terá de obter 90% de apoio. Chávez nunca superou os 60%.