Título: Os bons rumos da economia
Autor: Eduardo Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 02/04/2006, Outras Opiniões, p. A11

Com a substituição de Antonio Palocci por Guido Mantega no ministério da Fazenda, é preciso lembrar, a bem da justiça, da contribuição de Palocci ao país na condução da economia. Palocci recebeu uma herança muito pesada. A inflação ameaçava fugir do controle, havia muita incerteza, particularmente no exterior, sobre a capacidade de o Governo brasileiro honrar os seus compromissos e refinanciar a dívida pública. A depreciação do real em relação ao dólar era exagerada e o desemprego, elevado.

Naquele momento, poucos discordaram da necessidade de medidas duras, como o aumento da taxa básica de juros e a prática de uma política fiscal austera, mantendo o superávit primário elevado. Palocci conseguiu, dessa maneira, debelar a crise de confiança com relativa rapidez.

É verdade que ele não teve êxito, como desejava, em conseguir um crescimento mais elevado. Depois do bom ano de 2004, o Brasil, em 2005, ficou muito abaixo do seu potencial. Não aproveitamos o período favorável na economia internacional.

Mas o Brasil não cresce em ritmo adequado desde o início da década de 80. O aumento do Produto Interno Bruto por habitante foi um dos menores do mundo no período 1996/2005. Apesar disso, com a valorização do real, o PIB de 2005 foi da ordem de R$ 1,9 trilhão, segundo o IBGE, o que coloca o Brasil hoje como a 11ª economia do mundo depois de ter estado na 15ª posição.

Sabemos que faltam poucos meses para as eleições e não há condições nem tempo de arriscar uma reorientação profunda das políticas macroeconômicas. Mas se pensarmos não só em 2006, mas também um pouco além da conjuntura atual, creio que existam boas condições para imprimir um ritmo mais acelerado de crescimento à economia do país.

Quando estava no ministério do Planejamento e no BNDES, Guido Mantega mostrou que compartilha dessa avaliação. A taxa de investimento agregado em relação ao PIB é baixa, em torno de 20%. As empresas hesitam em investir quando existe capacidade produtiva não aproveitada. A margem de ociosidade é da ordem de 20%, segundo a CNI e a FIESP. Os especialistas em economia industrial, entre os quais se destaca Antonio Barros de Castro, que foi um dos principais assessores de Guido Mantega no Ministério do Planejamento e também no BNDES, costumam frisar que esses dados tendem a subestimar a efetiva ociosidade ou a velocidade com que as empresas podem reagir, com providências de efeito rápido sobre os níveis de produção. A ampliação do número de turnos, investimentos marginais e outras adaptações podem gerar aumento de produção sem grandes investimentos novos.

Ainda temos altas taxas de desemprego, apesar de nos últimos dois anos terem sido gerados mais de 2,7 milhões de empregos formais.

A inflação está sob controle. A taxa de inflação ao consumidor calculada pelo IBGE baixou de 18,98%, em 2003, para 6,87%, em 2005. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) projeta esse índice para 4,5% em 2006.

As finanças públicas estão controladas. O superávit primário continua elevado e nada indica que a meta de 4,25% do PIB venha a ser descumprida. A dívida pública estabilizou-se em 52% do PIB. Quando o ministro Palocci assumiu a Fazenda, era de 58,7%. O estoque da dívida externa pública tem sido reduzido desde 2003.

As exportações tiveram um crescimento extraordinário, de US$ 60.362 milhões, em 2002; para US$ 116.913 milhões, em 2005. O superávit comercial mais que triplicou: foi de US$ 13.126 milhões, em 2002 para US$ 44.484 milhões, em 2005. O balanço de pagamentos em conta corrente continua a nosso favor, fato raro na História brasileira, com projeções de US$ 9 bilhões para 2006. As reservas internacionais aumentaram de US$ 38 bilhões, em dezembro de 2002, para US$ 57 bilhões, em fevereiro de 2006.

A taxa de risco do país declinou nos últimos três anos. Em janeiro estava em torno de 218 pontos, um marco histórico, pois chegou perto de 2.500 pontos em outubro de 2002.

Podemos concluir, portanto, que não haverá grandes problemas de balanço de pagamentos nos próximos anos.

O combate à erradicação da pobreza tem sido outro ponto forte. O índice de Gini, que mensura a desigualdade de renda, em 2002, 2003 e 2004 foi, respectivamente, de 0,587, 0,581 e 0,569. Esse é um dos resultados da expansão do programa Bolsa-Família avalizado por Palocci. Em dezembro de 2003, foram beneficiadas 3,5 milhões de famílias. Em junho de 2006 serão 11,2 milhões, o que corresponde a praticamente 100% das famílias com rendimento mensal per capita menor que R$ 100.

Como disse o presidente Lula, a estabilidade monetária e a disciplina fiscal continuarão a ser objetivos fundamentais, mas é preciso aproveitar o momento positivo por que passa a economia brasileira, um legado do ministro Palocci, para imprimir maior velocidade no crescimento econômico com eqüidade social. Nos últimos 25 anos, interagi muitas vezes com Antonio Palocci, inclusive enquanto ele foi ministro da Fazenda, sobre os melhores caminhos para construirmos um Brasil justo. Continuaremos esse diálogo. O mesmo acontece com Guido Mantega.