Título: MENOS PESSIMISMO
Autor: Augusto Marzagão
Fonte: Jornal do Brasil, 25/11/2004, Primeiro Caderno, p. 7

Um país desigual, um país injusto, um país discriminatório - o Brasil tem sido objeto de severas qualificações, algumas de viés masoquista, quando julgado à luz de suas realidades mais negativas. Para isso contribuem, inclusive, os relatórios internacionais sobre os índices de desenvolvimento no mundo, publicados pela ONU e por diversas entidades dedicadas a medir o desempenho das nações. Nosso país aparece nesse ranking em posição crítica, e é muito comum ouvir-se que temos a pior distribuição de renda do planeta.

Estamos evidentemente numa zona propícia a exageros. Melhor, portanto, é passarmos para outra linha de julgamento menos pessimista, começando por lembrar que ainda somos um país emergente, sujeito a numerosas e profundas complexidades que tendem a constranger ou atrasar o nosso avanço para o destino do Primeiro Mundo. Nesses termos, não seria mal se definíssemos o Brasil de hoje como um "país assimétrico".

Não se trata aqui de repetir os velhos chavões dos contrastes e paradoxos brasileiros, relacionando e comparando os nossos cenários de prosperidade e de miséria, de crescimento e de estagnação. Falamos de outro tipo de assimetria, no qual as diferenças não estão compartimentadas, mas se misturam no cotidiano da nossa realidade. O nosso perfil assimétrico, aliás, já vem dos tempos da descoberta e da colonização.

As Capitanias Hereditárias acabaram nos legando uma mapa federativo de formatação irregular, graças à qual ficaram compondo o mesmo retrato geográfico as dimensões gigantescas do Amazonas e o acanhado espaço físico de Sergipe. Transferidas do plano geográfico para a divisão político-administrativa as discrepâncias de superfície territorial promoveram efeitos de desequilíbrio na governança dos estados e do país que até hoje não foram devidamente corrigidos.

Vejamos alguns exemplos da assimetria. Começando pelos casos exemplares, coloquemos no alto do pódio, neste momento, o trabalho olímpico da Justiça Eleitoral no pleito que envolveu 110 milhões de eleitores, 5.550 municípios, 15.747 candidatos a prefeito, 346.425 candidatos a vereador e 450 mil urnas eletrônicas, distribuídas de um dia para o outro em milhares de seções eleitorais. Operando numa cena de tão grandes números e de tamanhos obstáculos físicos, a Justiça Eleitoral deu mais uma vez demonstração de absoluta competência.

Passando adiante, não há elogios que bastem para qualificar o desempenho da Petrobras nos serviços de exploração, produção, refino e distribuição do petróleo nacional. Somos os campeões mundiais de produção petrolífera em águas profundas, adotando cada dia uma tecnologia mais avançada que causa admiração aos nossos concorrentes. E o que dizer do Programa Nacional de Imunizações, a cargo do Ministério da Saúde, que todos os anos promove a aplicação gratuita de dez tipos de vacina em milhões de brasileiros e gasta quase um bilhão de reais em medicamentos para pacientes aidéticos, que os recebem sem qualquer dispêndio?

Dispomos, acrescente-se, de um elogiável serviço postal e em matéria de telefonia celular estamos progredindo vertiginosamente, levando os seus benefícios a todas as camadas sociais. A nossa indústria automobilística é exuberante e o agronegócio, no interior do país, vem acumulando prodígios de produtividade e dinamismo com o uso dos mais atualizados equipamentos agrícolas. Tudo isso são comprovações de que dentro de um mesmo contexto nacional estigmatizado por tantas marcas de subdesenvolvimento, sempre sobra espaço para as práticas das ações inspiradas no espírito da excelência.

E onde estão os exemplos de expressão negativa que compõem o quadro da assimetria brasileira?

É muito fácil listá-los: grande parte dos serviços médico-hospitalares do âmbito do SUS; quase todos os serviços a cargo do INSS, que recentemente fechou as portas numa incrível greve de três meses; a trágica situação, com poucas exceções, do nosso sistema penitenciário; o precário sistema de transporte urbano, ainda comandado pelo velho ônibus; a prática falência da opção ferroviária, sobretudo para o transporte de cargas; o abandono da navegação de cabotagem, que deveria suprir as deficiências da malha rodoviária.

Poderíamos citar ainda a secular morosidade judiciária, o horror da insegurança pública, os pétreos entraves da burocracia, o império do crime organizado, a farra da pirataria e adulteração até de remédios e a violência do trânsito. Mas é melhor pararmos por aqui. Seguindo por esse longo caminho de pedras será difícil pingar um ponto final neste escrito de limitado espaço e modestas pretensões, entre as quais não está a de dar asas aos pessimistas.

Não seria mal se definíssemoso Brasil de hoje como um "país assimétrico"