Título: Perdendo o `último trem¿ na infra-estrutura
Autor: Raul Velloso
Fonte: Jornal do Brasil, 28/10/2004, Opinião, p. A11

Acabam de sair matérias sobre a crise da infra-estrutura brasileira em dois dos mais conceituados jornais do mundo, o Financial Times, de Londres, e o The New York Times, de Nova Iorque. O primeiro, relembrando que o crescimento da economia brasileira este ano pode repetir o de 2000, alerta para o risco de se repetir também o famoso apagão daquele ano, que tanto transtorno trouxe para nossa sofrida economia em 2001. O outro destaca o risco de as exportações de produtos primários entrarem em colapso, caso não sejam recuperadas em tempo as estradas de acesso aos principais portos brasileiros.

Exageros à parte, o fato é que a precária situação da infra-estrutura brasileira, notadamente a de transportes, deveria merecer maior atenção do governo brasileiro, sob pena de lamentarmos mais adiante o fato de a atividade econômica ter estagnado por falta das providências mínimas requeridas.

Dados pouco conhecidos referem-se à derrocada dos gastos de investimento da União em rodovias. Em 1995, se situavam em R$ 2,6 bilhões, a preços de 2004, com base no IPCA. De 1996 a 1998, subiram progressivamente, até alcançar R$ 4,6 bilhões. Caíram em 1999 para R$ 3,4 bilhões. Voltaram a se recuperar em 2000 e 2001, embora sem atingir o pico de 1998. Despencaram de novo em 2002 e 2003, quando se deu o menor volume de gastos jamais realizado nessa área: R$ 1,5 bilhão. Este ano, a promessa embutida no contingenciamento do orçamento da União divulgado em fevereiro é de aumentá-los para R$ 2 bilhões, apenas 44% do pico observado em 1998. Só que até 24 de setembro último haviam sido autorizados gastos nessa rubrica no montante apenas de R$ 233 milhões (no conceito de ''empenho liquidado'').

O ponto central é que o setor público terá de viabilizar, por seus próprios meios, os investimentos que dificilmente ocorrerão por iniciativa do setor privado, em vista de sua baixa rentabilidade; empenhar-se muito mais no equacionamento das pendências que hoje travam novas concessões de estradas rentáveis no âmbito do Ministério dos Transportes; e finalmente se entender com a oposição, no Senado, para aprovar o projeto das PPP (Parcerias Público-Privadas).

O mais dramático para o governo é que a parte que lhe toca diretamente terá de ser feita sem recorrer a novas fontes de receita, já que, de um lado, o setor de transportes vem de ganhar uma fonte específica que lhe é cativa, a Cide-Combustíveis, cuja destinação para suas finalidades precípuas tem estado muito abaixo do desejável. Segundo se apura na página da Câmara na Internet, dos R$ 7,2 bilhões de receita bruta da Cide em 2002, primeiro ano de sua vigência, somente R$ 5,6 bilhões foram ''liquidados'' em favor de seus usos cativos. Já dos R$ 7,5 bilhões arrecadados em 2003, foram utilizados apenas R$ 4 bilhões.

Do outro, a arrecadação federal continua batendo recordes sobre recordes, a despeito das promessas de contenção da carga tributária. Pela primeira vez na história recente, a arrecadação de fevereiro a setembro ficou muito acima da programação prevista no contingenciamento orçamentário de um determinado ano, que normalmente é anunciado entre janeiro e fevereiro. Dos R$ 9,1 bilhões adicionais, líquidos de transferências, apurados até setembro, pouca coisa deverá ser direcionada para investimentos em transportes, a julgar pelos ''empenhos liquidados'' até o momento.

Ou seja, o governo terá de encarar, de uma vez por todas, o problema do excessivo crescimento de seus gastos correntes não-financeiros. Por minha estimativa, esses gastos devem crescer a parcela expressiva de 3,6 pontos percentuais do PIB entre 1995 e este ano, implicando aumento total de R$ 60 bilhões de despesa expressa em moeda de 2004, com base na última estimativa oficial do Produto Interno Bruto de 2004. Gastos correntes são gastos tanto em pessoal, como em previdência, saúde, manutenção dos órgãos, programas sociais, enfim, tudo aquilo que não se caracteriza como investimento público propriamente dito. Assim, a grande tarefa de total reformulação, contenção e re-estruturação dos gastos correntes não-financeiros federais terá de começar o quanto antes, sob pena de perdermos o ''último trem para Paris''...