Título: Novo impasse acirra crise política
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Fonte: Jornal do Brasil, 01/12/2004, Internacional, p. A-7

Oposição abandona negociações com o governo, volta aos protestos e espera decisão da Suprema Corte e do Parlamento

KIEV - A oposição da Ucrânia, que levou dezenas de milhares de pessoas às ruas para protestar contra supostas fraudes na recente eleição presidencial, abandonou ontem as negociações políticas e apelou novamente para o ''poder popular''. A decisão abalou o otimismo surgido quando o presidente Leonid Kuchma anunciou que apoiaria a realização de novas eleições no país.

A crise levou mediadores internacionais de volta à capital Kiev. Os presidentes da Polônia, Aleksander Kwasniewski, e da Lituânia, Valdas Adamkus, o alto representante para Política Externa e Segurança da União Européia, Javier Solana, e o secretário-geral da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), Jan Kubis, tentarão retomar o diálogo entre as partes.

O resultado oficial do pleito apontou a vitória do primeiro-ministro Viktor Yanukovich, apoiado por Kuchma e pela Rússia, contra o liberal Viktor Yushchenko.

- Kuchma e Yanukovich usaram as negociações para trapacear - disse o líder oposicionista Taras Stetskyv, a milhares de partidários de Yushchenko reunidos no centro de Kiev. - É por isso que o Comitê para a Salvação Nacional [da oposição]decidiu se retirar das negociações. Só vamos conversar com a aprovação do poder popular.

A oposição quer que o segundo turno do pleito seja repetido em 12 de dezembro e deposita as esperanças na Suprema Corte e no Parlamento. Há uma expectativa de que ambos se pronunciem hoje sobre o impasse político no país.

Se a eleição for anulada, o Parlamento pode decidir pela realização de uma nova votação. A oposição também quer que os deputados demitam Yanukovich do cargo de premier, antes de um novo pleito.

Manifestantes fizeram ontem uma passeata até o Parlamento ucraniano ao saberem que os deputados não haviam votado uma moção que demitia Yanukovich e seu gabinete. O presidente do Parlamento pediu à multidão que não invadisse o prédio e prometeu que hoje haveria uma decisão.

O impasse ameaça dividir a ex-república soviética da Ucrânia, independente há apenas 13 anos e localizada entre a União Européia e a Rússia, que durante séculos dominou o país.

No Leste da Ucrânia, que é economicamente mais poderoso e onde vive uma população de origem russa que apóia Yanukovich, manifestantes simpáticos ao governo querem a manutenção do resultado eleitoral e ameaçam declarar ''autonomia'' se isso não ocorrer.

Kuchma, cujos dez anos de governo são marcados por escândalos e mau gerenciamento econômico, deu a entender na segunda-feira que cederia à pressão doméstica e internacional e aceitaria uma nova eleição. Ainda não está claro se o presidente se referia a uma repetição do segundo turno, como quer a oposição, ou a um processo eleitoral novo.

A Rússia parece conformada com a idéia de uma nova votação. O presidente Vladimir Putin e o chanceler (primeiro-ministro) alemão, Gerhard Schroeder, disseram que aceitariam o resultado de uma nova eleição, segundo uma nota do governo. O Kremlin não se manifestou a respeito da possível repetição do pleito.

Embora tenha sido apontado como vencedor, Yanukovich vem sofrendo sucessivos revezes desde então. Não conseguiu afastar as suspeitas de fraude e, segundo analistas, pode não ser o candidato de Kuchma em uma nova eleição.